sexta-feira, 12 de agosto de 2011

UMA FÁBULA


Uma fábula... Segundo o Aurélio, fábula é "uma narração alegórica, cujas personagens são, por via de regra, animais, e que encerra uma lição moral".

Epa, já comecei a pecar, porque não tem bicho nesta história. Mas é uma história. E é alegórica. E, certamente, encerra uma lição. Moral da história, decidi contá-la.



Para quem não lembra, Lourdinha chegou tímida lá em casa. Se fazendo de moça recatada. Cheia de celofanes e salamaleques. Naquela época, ela nem se chamava Lourdinha. Era só bromélia. Um presente.

Não demorou muito para que eu encontrasse seu lugar na casa. Uma noite, às vésperas do carnaval. 


E foi nessa noite, tão de repente, que eu entendi que a anônima bromélia gostava de samba e de farra. Era passista de primeira. E foi assim que ela invadiu meu coração.  E foi assim que eu descobri que a bromélia se chamava Lourdinha, Lourdinha Carnaval. 


E foi logo depois da efeméride carnavalesca que eu descobri o seu caso. Amor de uma noite com um girassol fantasiado de palhaço que foi bater lá em casa.

Era gringo, estava na cara, e logo fiquei sabendo seu nome, ainda que fosse o de guerra. Jeffrey McClown! Escocês sem pudor!

Assim como veio, se foi. Com sua desajeitada malemolência e seu sotaque cheirando a cerveja e a whisky. Não quis se comprometer.


E foi aí que eu descobri a melódia. Bem que eu já estava reparando. Lourdinha me evitava. Olhar perdido no infinito. Eventualmente, uma lágrima. Bem que tentou, mas não conseguiu por muito tempo esconder os brotinhos, as novas mudinhas que a foram cercando. Tudo bem grudadinho em seu corpo quase infantil.

Lourdinha, tá grávida!, constatei, entre indignada e feliz. Jeffrey McClown! Eu sabia que aquele escocês não era boa bisca. Deixou a pobre sozinha e com família pra criar!

Lourdinha não ousava me olhar. Virou suas pétalas rumo ao Pão de Açúcar. Ficou que nem estátua. E ficamos assim por um tempo, até que eu comecei a rir. A rir muito e a festejar. E a imaginar que ela precisaria de um vaso maior. Certamente, mais terra. E foi então que ela voltou a me olhar. E sorriu. E riu. E ambas gargalhamos pelas novas vidas que chegavam. Coisas de mulher. Não resistimos a bebês!


Comprei um vaso novo. E terra nova adubada. Mas as novas flores não vieram. Ainda. Dizem que eu preciso separar os brotos do caule da mãe. Fazer novos vasos. Mas ainda não tive tempo pra isso. Tempo ou coragem?

O fato é que Lourdinha envelheceu. Um dia a olhei e aquele amarelo tenrinho tinha dado lugar a um ocre mais seco. Não sei como bromélia morre, mas ela continua rígida. Não feneceu. Então acho que está viva, só que um pouco mais ... madura. Assim como eu.

Muitas vezes, ao longo dos dias nos entreolhamos e sorrimos... cúmplices. Coisas de mulher. Eu, no escritório. Ela, na varanda. Ambas esperando por novas flores e sementes. Ambas otimistas e precárias, como uma bromélia qualquer.


Moral da hístória? Sei lá. Quem disse que a vida tem moral? Ela só entra por uma porta, sai pela outra e... quem quiser que conte outra.

Nota: Para se entender melhor esta fábula, vale a leitura do texto Lourdinha Carnaval, publicado no blog em fevereiro deste ano.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

6 comentários:

Lúcia disse...

Ah Pat, que delícia.
Lembro bem de Lourdinha, tão exuberante e sensual, na época do carnaval.
Linda história, linda mesmo.
Beijos

Eulalia disse...

Querida,
Laços de pura vivência.
Uma vivência que, a cada vez, reconheço mais nítida em você.
Adorei
beijos

Alzira Willcox disse...

Adorei a sua fábula sem moral. Moral da história me arrepia! Está na hora de você publicar um livro. Suas histórias têm sabor. Sabor/saber, mesma raiz. Você sabe escrever belas narrativas.
Bj

Elza Martins disse...

Pat, querida, sem moral, com moral, sem bichos ou com bichos a fábula é ótima e a Lourdinha entrou na vida de todos nós para ficar. Beijos saudosos.

Celina disse...

Primoca querida, acho que o girassol deixou saudades. Bem sacana ele,né? em pensar que fui eu a mensageira! Mas ai vem novas efemérides e Lourdinha certamente vai ter companhia. Adorei. bjkas

Anônimo disse...

Pat, de vez em qdo nos dê updates de Lourdinha.
Depois de ler sua fábula, me peguei cantarolando na cozinha:
"um pequenino grão de areia,
que era um eterno sonhador,
olhando o céu viu uma estrela, imaginou coisas de amor...
... se houve ou se não houve
alguma coisa entre eles dois,
ninguém pode até hoje afirmar
o certo é que depois, muito depois
apareceu a estrela do mar..."
Ri sozinha quando me dei conta que estava pensando em Lourdinha e sua aventura amorosa hahahha.
Bjnhs.
Valéria Genaro