quinta-feira, 29 de abril de 2010

ALGUMA COISA ACONTECE NO MEU CORAÇÃO


Ufa! De janeiro para cá foram muitas cidades. Reveillon em Porto Alegre, depois Rio de Janeiro e Niterói, depois Caracas, depois Lisboa e Londres e Roma. E novamente Caracas, por uma semana. Aí, o Rio e Nikity novamente. E foi então que Silvio me pediu para ir a São Paulo para ficar com ele. Ufa!!!!!







Silvio aproveitou as duas semanas de reuniões em Sampa para fazer o rotineiro e cansativo exame médico periódico. E foi assim que, de repente, me vi em um quarto super acético e branco de um desses modernos centros médicos em que atualmente os executivos fazem seus cansativos e rotineiros exames.



Depois de dois dias de calor e secura infernais que transformavam São Paulo em uma estufa gigantesca provida de shoppings e de parques, uma chuvinha fina começou a cair. Garoinha leve, sem nenhuma convicção. Nada daquelas garoas que eu pegava na cidade em minha infância quando ia visitar minha tia na Aclinação. Mas, com imaginação, dava para sentir um certo fresquinho.



E Silvio e eu lá. No quarto. Esperando a sorridente e acética enfermeira nissei que iría levá-lo para mais um dos exames. Ele, já paramentado, andava de um lado para outro do quarto. Tinha que caminhar para que o contraste ou o que quer que seja fizesse efeito. Eu, sentada na sempre desconfortável caminha dos acompanhantes, o observava. Estava tranqüilo, como sempre. Passos compassados e lentos... de lá para cá... de cá para lá. De vez em quando falava. Sobre o trabalho. Sobre a vida. Sobre seus planos. Me mostrava coisas na televisão. Pat, olha isso... Que que você acha disso?... O tempo ia passando, como passa o tempo enquanto se espera para se fazer um exame médico.



A porta se abriu sorrateira e delicada trazendo a enfermeira nissei e seu sorriso. Está na hora... Vamos, Sr. Silvio...



E lá fiquei eu, sozinha no quarto, encarapitada em minha caminha de acompanhante. A chuva apertou, trazendo um ventinho com cheiro de ozônio.



Liguei e desliguei a televisão. Tentei usar o Ipod. Folheei um livro... Tudo me parecia chato. E eu sabia que o tempo de espera não seria curto. Fechei os olhos... Não sei se dormi, mas de repente me dei conta de que estava sendo invadida por muitas recordações.



De repente, eu estava no Vileta em Salvador e Cyomara fazia as honras da casa me apresentado a Silvio. Brisa baiana e um super final de semana. O mais longo de minha vida. Fui para Salvador para passar quatro dias e permaneci em ponte aérea por mais de dez anos. Lembrei das nossas conversas de inicio de namoro. Podíamos falar por horas. Íamos nos descobrindo ... em todos os sentidos. Nossas primeiras viagens, da Chapada Diamantina a Londres. De Veneza a Atenas. Fui lembrando das tardes quentes em que íamos ao cinema ou só ficávamos em casa ouvindo ao longe um burburinho de Ba/Vi. Foram muito bons os tempos baianos. Dias de ida ao Bonfim. De se tomar sorvete de tapioca na Ribeira. Comer sashimi a beira mar no Soho. Entre sakê e grelhados, o sol ia se pondo. Tínhamos um apartamento na Pituba. Silvio adorava olhar o mar. Podíamos ver uma nesguinha de mar da janela do escritório e ele me dizia... Olha que vista!!! E eu ria da sua pretensiosa imaginação.



E um dia tivemos de sair de lá. Silvio foi convidado para trabalhar em São Paulo. Mudança. Viagens. Ele encontrou um apartamento na Vila Hamburguesa e me lembro que nossa primeira noite por lá foi em pleno reveillon, cercados de caixas por desfazer e abençoados por uma incrível lua cheia. Não imaginava que o céu paulistano fosse dado a tais extravagâncias.



Fomos felizes em São Paulo. Eu continuava em minha ponte aérea, mas agora bem mais leve. Saia do escritório em Botafogo e num pulo já estava na Marginal Pinheiros. Fomos felizes... Entre calor e frio. Entre poluição e temporais. Tínhamos uma varandinha onde Flor, a faxineira, cuidava de nosso jardim. Eu dizia que ela tinha dedo verde. Em meio ao monóxido de carbono brotavam flores coloridas e repolhudas.



E um dia tivemos de sair de lá. Silvio me ligou avisando sobre o convite para trabalhar em Caracas. Preocupado me perguntou: O que você vai fazer? Uma Ponte aérea vai ser loucura! O que eu vou fazer? Simples... As malas...



Em pouco tempo, deixava para trás Niterói, o Rio, minha casa, meu trabalho e todos os consultores prodígios que vinham me atormentando já há muito tempo. Deixei meus terninhos e cartões de apresentação. Deixei reuniões na hora do almoço e jurei... Nunca mais vou comer quiche!!! Promessa que tenho seguido à risca com pouquíssimas exceções.



Chegamos a Caracas em uma sexta-feira santa e juntos fomos aprendendo a viver junto. A brigar e a fazer as pazes. A implicar um com o outro e depois fazer as pazes. Ele me ensinou a cozinhar e agora eu reclamo que ele faz bagunça na cozinha! Depois peço desculpas e como a comidinha que ele faz (que cá entre nós é bem melhor que a minha). Juntos, fomos aprendendo espanhol, a dirigir na cidade, a encontrar coisas para fazer, a encontrar amigos...



Somos felizes em Caracas. Nós, o nosso balcón e o Ávila que nos observa à distância.







Já fazia quase duas horas que Silvio tinha sido levado pela enfermeira nissei sorridente e delicada. Como andariam as coisas? O exame exigia sedação...



Enquanto eu olhava por uma janelinha, único contato com o mundo exterior, Silvio chegou acompanhado da enfermeira que com delicadeza sussurrou que ele deveria ficar ainda algum tempo no quarto para descansar. Prescreveu o descanso e evanesceu entre sorrisos e desculpas.



Silvio se deitou e eu fiquei ali. De pé. Olhando. Só olhando.







Acho que o amor, ao longo do tempo, é como a cidade de São Paulo. Cresce a cada dia, mas quase sempre nós não nos damos conta disso. Estamos muito ocupados reclamando de seus defeitos. Sonhamos com oníricas e idílicas cidadezinhas onde certamente viveremos felizes para sempre. Mas... São Paulo não é uma cidade grande... gigantesca, incontrolável, poluída e barulhenta. Não. Sampa é a soma de seus bairros. Cada qual com suas características, suas tribos e suas peculiaridades. São Paulo, assim como o amor, está nos pequenos detalhes. E há que se estar atento a eles. Uma delicadeza como um jacarandá florido. Um carinho inesperado como um dia de sol amanhecendo. A cumplicidade de um silêncio como uma tarde e um capuccino na Pinacoteca. Uma gargalhada inesperada como todas as feiras da cidade.



O amor, ao longo do tempo, é paixão refletida em vidraças. Como nesses prédios modernos de São Paulo onde o antigo se mira e se admira em janelas espelhadas.

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

LEMBRANÇAS E CARINHOS



Enquanto eu viajava, recebi de Marilia uma mensagem super carinhosa e um poema anexado.
Um poeminha bem singelo que eu havia escrito há muitos anos atrás, enquanto trabalhávamos juntas e enquanto ela ia me ensinando que não importava quantas pessoas estivessem na platéia, o importante era tocar... o melhor possivel. Se um ouvisse, a magia estaria feita. Trago esta lição por toda a minha vida. Se um ouvir... já vai ter valido a pena.

Hoje, enquanto organizava as fotos da viagem, encontrei uma, feita em Lisboa, que, a principio, não entendi bem o que era. Um céu azul...??? Um pedaço de fio (conector?) e... ??? Ah, sim... perdida em azul, pequena, quase imperceptivel... uma gaivota... Sem nenhuma preocupação, ousando seu voo. Quanto azul a percorrer!

Achei que texto e foto tinham tudo a ver. Ambos desprentensiosos e, justamente por isso, infinitos. 




UM POEMA PARA MARILIA

São muitas as muitas maneiras
de se tocar o piano

Quantas e tão distintas...



Uma sonata ... um sorriso
Uma valsa ... um olhar



De harmonia em harmonia
as mãos dedilham e buscam
um certo compasso certo



O ritmo é você que faz
como um momento ... uma oitava
Não pertence a mais ninguém

Passeie pelo marfim ... pelo ébano
Desafine ... desafie... 
Improvise nas teclas da vida
Isso você sabe fazer

Porque jazz em você o sonho
E em seu céu
entre nuvens e blues
A sua clave é de sol
(nascente)





Que nesta semana pós-chuvas intensas e em meio a cinzas vulcânicas, possamos encontrar, por um momento que seja,  o prazer de voar... em nosso pedaço de céu azul.

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

LISBON REVISITED 2010

Não.

Não foi a chuva fina e nem o frio.
Nem o céu de chumbo que, de repente, se fez em manhã de sol.

Não.

Não foi a visita aos Jerônimos.

Não foi a Torre de Belém.

Nem mesmo a vista imensa e líquida do Tejo lá do alto do Castelo.

Não.

Não foi o Castelo de São Jorge. Nem o elétrico por ladeiras de Alfama.

Não.

Não foram as guitarras. Nem o vinho. Nem as velhas canções.

Não. Não foi o Fado.

Nada pode descrever melhor aquele meu encontro que o meu choro no Martinho da Arcada.

Trinta e um anos sem voltar à Lisboa. Lugar sempre adiado em minhas viagens. E, enquanto esperava, escrevi poemas, uma tese de mestrado, trabalhei, perdi meus pais, me descobri, me perdi, me redescobri... Me apaixonei. Virei outra. E virei ostra ... com pérola dentro. Cresci. E deixei pedaços pelo caminho. E criei pele nova ... para me bronzear! Deixei de escrever... E morri um pouco...



Trinta e um anos e lá estava eu à porta do restaurante Martinho da Arcada ... Olhando. Senhora, já não estamos servindo o almoço. Era tarde. Sorri e me desculpei. Eu queria só dar uma olhada... Eu adoro Fernando Pessoa. Foi como uma senha. O garçom sorriu. Me tomou pelo braço com força e decisão e lá fomos os dois andando entre as mesas. A decoração antiga nos observava como se já tivesse visto aquela cena outras vezes. O garçom, eu e Silvio que nos seguia e observava a uma certa distancia. Venha, por favor... E caminhei até aquela mesa. A única sem toalha. Um copinho de bebida. Um par de óculos. Livros. Sente-se, por favor. E eu me sentei na quina da sala. Na mesa do canto. Aqui ele escrevia. E bebia. E conversava. Quer que eu tire uma foto?



Podia ser só uma mesa para turista ver. Podia.



Como?... Quer que eu tire uma foto? Silvio pegou a câmera ... Olha pra cá.



De repente me lembrei ... O Eu Profundo e outros Eus ... O livro que mamãe mantinha sempre na mesinha de cabeceira. Todo anotado. Trechos imensos sublinhados. Alguns textos dela, escritos nas margens do volume. Patricia, foi você que me apresentou Fernando Pessoa... Como boa ariana, adorava a eloqüência e a volúpia de Álvaro de Campos.



A foto!! Olha para cá!! [Não há na travessa achada o número da porta que me deram...]



Olhei. E, por mais que quisesse, não conseguia fingir. Ela está chorando! Silvio sorriu (ele me conhece). O garçom, surpreendido, não sabia o que fazer. Foi quando uma senhora que estava na única mesa ainda sendo servida se aproximou da cena. Era brasileira e o marido dela era um pessoano apaixonado. Ela me disse que ele tinha se emocionado com o meu choro. O casal nos ofereceu um Porto. Silvio falava com as pessoas e eu ali anestesiada. [Escrevo por lapsos de cansaço...]



Eu continuava chorando. Um choro engolido por meu desejo de não chorar. E me vi em uma sala. A banca diante de mim e eu discorrendo sobre o aspecto da negação na poesia lírica de Fernando Pessoa. A que chamei... A Trajetória do Nada. Era um dia de muito calor. Papai estava na sala, em uma das últimas cadeiras e me olhava de longe. [Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...]



O garçom chegou com o Porto. Tentei ser sociável. Não sei o que me deu...Me emocionei... Chorei o choro das coisas deixadas por fazer. O choro das coisas não ditas. De uma saudade dos meus. De uma saudade de mim. Quando eu era... sei lá... [Outra vez te revejo — Lisboa e Tejo e tudo —].



A tarde se fechou com um Porto e troca de cartões.


No dia seguinte fomos à Brasileira do Chiado. Muito tumulto. Muitos turistas. Como uma turista a mais, coloquei minha mão sobre a do poeta. Tentei entrelaçar carne e bronze. Queria dizer-lhe: Estou aqui. Pode me reconhecer? Aquela... É verdade, já faz muitos anos. E, em um lapso de tempo que não passou de segundo, ele me olhou e me sorriu. Também apertou a minha mão e me segredou... Não: não quero nada. Já disse que não quero nada. ... Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! ] 


E entre frio e muita gente, me levantei da cadeira e parti. De longe, ainda me virei para observá-lo. À sua volta, um grupo de alemãs tirava fotografias.

Nota:Em negrito, fragmentos dos poemas Lisbon Revisited 1923/1926
Nota: Foto by Silvio Wouters

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sexta-feira, 9 de abril de 2010

OH, DANNY BOY...


Sim. É claro que há muitas desvantagens em se envelhecer, mas uma coisa que me encanta neste infindável processo da passagem do tempo é que podemos ver nossos bebês virarem gente grande. Está certo que cada vez mais relutam em ficar no nosso colo e reagem com veemência a conselhos básicos e essenciais como: Leva um casaco que tá frio. Ou o conhecido: Você não tá comendo direito. Mas não faz. É bom vê-los crescer. É bom encontrá-los como adultos tão semelhantes ao que fomos, ao que somos. Com sonhos, certezas, medos, desejos, paixões, expectativas e teimosias. Adultos.



Fazia quatro anos que eu não ia a Londres e, apesar de todos os encantos da cidade, desta vez aterrissei em Heathrow para ver Danny. A idéia era dar uma fugidinha de Roma e passar o final de semana com meu primo. [Definição inadequada] Danny não é meu primo de segundo grau, filho de minha prima Celina, que é como uma irmã para mim. Não é só isso. Danny é irmão de Carol e os dois são para mim como meus filhos. E Celina que não reclame!


Por uma dessas coincidências da vida, no mesmo dia em que embarquei para vir morar em Caracas, Danny voou rumo à Europa para, como cidadão europeu, começar sua vida por lá. E foi por isso que passamos quatro anos sem nos vermos.



Confesso que estava ansiosa para encontrá-lo. Tão ansiosa que enquanto esperava Silvio no aeroporto, esqueci minha mala no banheiro e quase chego a Londres com a roupa do corpo e, por sorte, um casaco pesado. Mas isso é outra estória.



Passado o susto, fiquei sentada esperando e sendo visitada por momentos.


Manhã de sol em Niterói. Toco a campanhia e uma figura de menos de um metro e cabelo lourinho me saúda com um Oi, Tia Amiga! Era assim que ele me chamava, Tia Amiga. Doce intuição infantil. Amiga pra sempre.




Tarde lá em casa. Tomavámos café enquanto aquele menininho de bermuda de malha e camisetinha nos contava estórias de dagãos.



Tinha uma voz deliciosamente rouquinha e nenhuma timidez para se apresentar e conversar com quem quer que seja. Era cheio de opinião.



Noite de chuva forte. Celina tem que ir para o hospital e lá fico eu (sem a mais remota experiência de tratar de bebês) com Danny no colo. Nossa cumplicidade era plena, mas eu simplesmente não conseguia trocar suas fraldas. Botava a nova e ele ia caminhando com seu jeito de bebê e a dita cuja ia escorrendo por suas perninhas. Tentei de tudo... sem sucesso. Depois, criei uma estratégia de colocar a fralda e colocar um shortinho por cima. Funcionou. E foi aí que decidi fazê-lo dormir. Em meu colo, ele ouviu pacientemente todo o meu repertório de canções de ninar. Olhos abertos. Atentos. Quando a exaustão já tinha me dominado, virou para mim e me pediu: Mamalinha!!!! Tinha fome. Em meu afã de cuidá-lo, tinha esquecido de lhe a dar mamadeira. Depois disso, dormiu.


Silvio chegou do trabalho e embarcamos.



Durante o vôo, lembrei de seus primeiros desenhos. Sempre amou desenhar. E de como foi crescendo, assim, rápido. Tão rápido que um dia se apaixonou. E sofreu. E pintou seus amigos em aquarelas.



Oh, Danny Boy...



Nos encontramos no sábado. Eu o estava esperando no hall do hotel. Chegou e nos abraçamos. E nos olhamos. Como ele estava bonito. E nos abraçamos de novo. Quando ele falou, sua voz era rouquinha ... e comovida. E eu com os olhos cheios d’água. Que saudaaade!!!!



No quarto do hotel, ele me disse, assim, de repente, que nunca queria me decepcionar. Que bobaaagem!!!!



Silvio se negou a sair com a gente. Disse que com aquele frio era loucura andar pela rua. Então, ficou no hotel e caímos em Londres. Tia, onde você quer ir? South bank! South bank!


South bank. Muito frio, muita gente. Fomos caminhando à beira do Tâmisa. Ele me contando sobre sua vida, suas experiências, suas idéias. Caminhamos muito. De vez em quando, eu pedia para ele tirar uma foto do lugar. Que foto você faria aqui? Tia, deixa eu te fotografar. Não. Fotografa o momento, o lugar. Registramos, assim, o nosso encontro.



Comemos em um pub e ele me falou de suas preocupações e ansiedades.



Caminhamos mais e chegamos a Saint Paul’s. Ali, ele me contou de seus estudos com programações para desenho animado. Foi, então, que eu fiz uma foto que ele achou triste. Ah, eu gostei. Um dia eu a uso em um texto do blog.



Não satisfeita, decidi ir a Oxford Street para comprar uma capa.


Não foi a melhor idéia. É porque ele gosta muito de mim, senão teria me enforcado. Caos. Milhares de pessoas se acotovelavam ao cair da noite. Decidimos tomar o tube e voltar para o hotel.


O caos se replicou no subsolo. E se agravou, quando começamos a ouvir: Emergency Alert! Emergency Alert! E tivemos de deixar o Metro. O caos subterrâneo se uniu ao caos da superfície. E começou a chover. Aquela chuva que cai em Londres que parece que não molha, mas, quando a gente vê, está encharcado. Tia e agora? Vamos pegar um táxi. Ledo engano. De todos os lados surgiam táxis... cheios.



E foi quando a chuva apertou mais que um ônibus para Victoria Station passou. Corremos até a parada e conseguimos pegá-lo. Na estação, certamente, encontraríamos um táxi disponível.



Oh, Danny Boy...



No tumulto, confesso que eu quase paniquei, mas eu estava com você. Enquanto buscávamos uma solução, você estava de mãos dadas comigo.



Do fundo do tempo, me chegou uma cena: Danny, dá a mão pra tia e, para atravessar, olha para um lado e para o outro, tá?


Agora, era você que me dava à mão...



Sim. É claro que há muitas desvantagens em se envelhecer, mas uma coisa que me encanta neste infindável processo da passagem do tempo é que podemos ver nossos bebês virarem gente grande.

PS: Carol, nada de ciumes. Ainda vou escrever muitos textos para você.

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sexta-feira, 2 de abril de 2010

AVILA


Chegamos ontem à noite a Caracas. Depois de quase dois meses fora e de dois voos bastante tranqüilos (mas longos, especialmente o segundo, de oito horas), chegamos em casa.



Enquanto enfrentávamos a já tradicional cola entre Maiquetia e Caracas, eu ia lembrando da primeira vez que cheguei à cidade, não como turista, mas como moradora. A lembrança me veio porque novamente chegávamos em uma sexta-feira santa. A primeira, em 2007, quando tudo para mim era muito novo (inclusive eu!), e a segunda agora, depois de quase quatro anos na terra. Depois de tantas aventuras e descobertas.



Já era de noite e havia uma névoa estranha na estrada. O motorista nos explicou que ainda era o resultado do grande incêndio no Ávila. A cidade ficou por semanas envolta em fumaça, enquanto helicópteros com água tentavam em vão conter o fogo.



A seca continua implacável, mas por sorte, uma chuva forte na semana passada conteve as chamas. Infelizmente, o cheiro de fumaça ainda permanece no ar.







Decidi desfazer as malas aos poucos, pois o jet lag de uma diferença de fuso de seis horas e meia (lembrem que na Venezuela ainda tem esta meia hora a mais ou a menos) é mortal para mim. E, enquanto mexia nas coisas e descarregava as fotos no computador, via o Ávila dependurado em meu balcón. O Ávila envolto em uma névoa branca. Fui para a varanda para matar saudades. O que dava para ver era uma ferida aberta na terra, restos de mata feitos em cinza. Quis acarinhar a montanha. Minha eterna companheira. Atenta e paciente ouvinte de minhas mais loucas elucubrações. Quis botar o Ávila no colo.

Mas como era tarefa impossível, como amiga fiel, quis amenizar suas dores. Então lhe contei sobre as minhas andanças. Lisboa, Londres, Roma. Contei para ele da noite de lua cheia em Siena e das tardes de sol na Vila Borghese. Falei do frio e da chuva e do inicio da primavera. Fui assim lhe contando tudo. Sobre sensações e sentimentos. Sobre encontros e reencontros. Sobre silêncio e burburinho. Não pude deixar de lhe dizer que me senti o máximo, entendendo muito italiano e já falando um pouquinho.



Não sei se foi por causa da névoa (fumaça?), mas tanto os meus olhos, quanto os do Ávila, em um momento, se encheram de água. Então ficamos ali, assim, à beira do balcón, nos mirando. Quietinhos.



Não sei bem por quê, mas de repente lhe garanti que as feridas cicatrizam e que as dores passam. Em breve, a estação das chuvas lhe traria novas flores, multicoloridas, como é a Venezuela. Multicolorida.



O cerro Ávila, sorriu. Um sorriso de Monalisa.



Foi então que Silvio me chamou ...

(foto by Ivani Galvão)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)