quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O ÚLTIMO TEXTO


Ei, Patricia! O que você está fazendo aí, sozinha, no balcón? Todo mundo já saiu. Todas as suas coisas. Todos os móveis já desceram e Silvio deve estar te esperando lá embaixo. O que você está fazendo, aí, assim, quietinha? Com os braços apoiados na murada... Olhando. Só olhando.
Você não sabe que casas vazias são cheias de ecos e fantasmas? Não vale a pena ficar por mais tempo. Prolongar o que não tem jeito. É hora de partir.

Está certo, eu sei. Você vai me falar de sentimentos ... mas para mim, que sou montanha, nada disso conta muito. Em meu emaranhado de pedras e verdes e cascatas e brisa, sou apenas. Rocha.

Está certo, eu sei. Você vai me falar de todas as nossas conversas. De nossos  encontros e desencontros. Quando de tarde caia un palo de agua, chuva forte, e depois eu paria um novo arco-íris. Mas você sabe... sou montanha e cumpro apenas o meu oficio de existir, entre céu e terra. Rocha.

Ei, Patricia. O tempo passou. E foi bom. Nos descobrimos muito nos dias encobertos, quando el Pacheco descia a montanha. Friozinho gostoso com neblina e llovisna. Mas você sabe... em meu vocabulário caribenho e hispânico não há sequer a palavra saudade.

Mas sinto uma certa nostalgia dos seus primeiros amanheceres por aqui. Seu olhar se debruçando em meus azulados laranjas. Indícios de dias de seca e calor.

Sabe... foi bom. Você chegando ao balcón e me contando das novas amizades. Ensaiando baixinho as suas primeiras frases em espanhol. Sinto muito, mas você nunca deixou de ter um sotaque de gringa. Foi bom...

Me lembro do primeiro dia que te vi. Estava você e umas amigas. Me lembro de seu olhar, de sua surpresa... Você sorriu e disse pras outras... Ah, eu vou morar aqui... E lembro quando uma noite você imaginou escrever um livro. Iria se chamar À Vista del Ávila. Um livro para contar suas aventuras na Venezuela.

Um livro... E, agora, este, seu último texto. Você correria o perigo de, num escorregão, finalizar a narrativa parafraseando Drummond... O Ávila é um quadro na parede, mas como dói. Nem ouse pensar nisso. Seria muito pobre.

Sugiro que você termine a história como fazem as rochas. De forma seca e sem grandes emoções.

... "Peguei minha bolsa e fui me afastando devagar do balcón, da paisagem, daquilo que por quatro anos foi o meu canto, com cheiro de guayoyo fresquinho, uma brisa levinha e golondrinas e guacharacas. Dessa vez, não quis olhar para trás."

Ei, Patricia. Gostei. Nada de transbordamentos emocionais. Rocha. 

O leitor então fecharia a livro e na contracapa leria: Relatos de experiências e impressões de uma brasileira vivendo em Caracas, Venezuela. E ainda... eventuais poemas e outras histórias.

FIM

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Ei, Patricia. Que fim nada! Afinal, isto não é um livro, é um blog. Estamos no século 21, cercados de redes socias. Todos, em todos os lugares, de todos os lugares se falando on time. Agora, nunca estamos longe daqueles que amamos. É um blog! Ouviu? Além disso, foi você mesma que passou todos estes anos dizendo que eu sou uma montanha mágica e, para montanhas mágicas, não há tempo e nem distância. Não sou um quadro na parede. Sou seu eterno parceiro de todas as suas aventuras. Onde quer que você esteja, se olhar com atenção, vai me ver ... eu foto, eu silhueta, eu quadro, eu lembrança... mas vivo. Sabe... Você estará sempre À Vista del Ávila.



PS: Ei, Patricia. Já pensou em alguma boa idéia para o texto da próxima semana?

Nota: Quadro pintado por Andrea Moll. Un regalo que guardarei para sempre.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

5 comentários:

Lúcia disse...

Pat, que maravilha! Com que beleza e emoção vc deixa seus sentimentos sairem e se transformarem em textos, poemas, fotos e blogs (para sermos bem modernas). Adorei a conversa. E também já sinto saudade. Grande beijo.
Lúcia

Eulalia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eulalia disse...

Foi o`"último" texto mais lindo que eu já li!
beijinhos
P.S. Como o Ávila, aguardo o próximo.

Celina disse...

Ultimo texto??? Que nada! Só começando. Mas compreendo do fundo do coração, essa sensação da última vista da vista que nos acompanhou nos últimos tempos. Ainda mais, acompanhada de felicidade. Você sabe, tenho experiência nisso.
Mas o Ávila jamais vai esquecer de você. Lindo! Lindo! Lindo! Até montanha vira poesia.

Elza Martins disse...

É impossível pedir a poetisa para não transbordar mas, a Rocha não sabe disso. Patrícia é transbordamento de talento, de amor, de amizade... tudo sempre muito. E que assim seja!