quinta-feira, 16 de setembro de 2010

AREPA, A GATA QUE EU NUNCA TIVE

Não posso dizer que foi amor à primeira vista. Não. Na verdade, foi mais um susto. Um por acaso. Há uns dois meses atrás, eu estava saindo do apartamento às quatro e meia da manhã para pegar um vôo para o Brasil e, de repente, lá estava ele, entre meus pés. Pequeno. Ainda filhote. E muito feio. No lusco fusco do amanhecer, pensei que era um rato que se metia entre minhas pernas. Eu gritei. Ele berrou mais alto. Assim nos conhecemos.



Quando voltei, umas semanas depois, a primeira coisa que vi na porta do edifício foi aquele gato esmirrado, com a pelagem falhada (será que era sarna?). Enquanto retirávamos as bagagens, o bicho não se fez de rogado, foi se chegando e se acarinhou em minhas pernas. Miava baixinho, como se dissesse Olha pra mim, me dá colo. Eu te escolhi. E eu nada, durona. (E se o bicho estivesse com sarna?)

Foi só com o passar dos dias que descobri que as falhas na pelagem eram mais resultado de machucados, talvez ataques de outros bichos, do que de qualquer problema na pele.



Era um filhote de rua. Sem nenhuma proteção. Entregue a sua própria sorte, ou... a seu azar.



Os dias passavam e o bicho sempre rondando o edifício e, em especial, a mim. Eu chegava e do nada lá vinha ele, miando saudações. Fui me apegando...

Lhe batizei de Arepa e pedi que Jarol, o zelador,  desse um pouco de água e comida para ele. Es una hembra, señora Patricia. Una hembra.

Uma gatinha. Arepa. Fui me apegando, mas... não havia mais tempo. A mudança já estava por sair. O período na Venezuela tinha acabado. Seria impossível arrumar a papelada que se necessita para se levar um animal de um país para outro. Não... Arepa não podia vir comigo.


Os dias passavam e ela ia engordando como podia. A pelagem melhorou, mais ainda tinha cicatrizes.


Agora era eu que a saudava primeiro, quando chegava em casa. Hola,Arepa.?Como estás? E ela me afagava com os seus miadinhos.


Às vezes, porém, olhava fixamente para mim e miava alto. Um grito urgente de quem sabe que não tem muito tempo. Era como se me dissesse .... E agora? Que eu faço? Era como se me perguntasse ... O que você vai fazer comigo... por mim? Era como se me pedisse... Me leva com você!


No dia em que entreguei o apartamento, ela me seguiu por todo o tempo. De súbito, tomou toda coragem do mundo e num salto, pulou no meu colo. Senti suas unhas se entranhando na trama do jeans. Sua última chance. Me leva! Me implorou com seu rabo espigado. Me leva! E roçou o focinho em minha blusa. Me leva!


Me levantei... Arepa, no puedo. No puedo , Arepa.!Vete de aqui!


O dono do apartamento chegou e subimos para eu entregar o imóvel. A última visão que tive de Arepa foi seu caminhar arrastado. Foi diminuindo o passo... Até que ficou para trás... Para sempre.



O dono do apartamento falando e eu longe, querendo ser criança de novo. Criança manhosa e mimada. Me atiraria no chão, berrando bem alto Eu quero a gatinha!!! Ela é minha!!!! É minha amiguinha!!!! Eu quero!!!! Quero!!!!


A vida é muito engraçada. É irônica. É cruel. Se Arepa tivesse chegado quatro anos antes, eu teria tido tempo de adotá-la. Quando partisse, ela viria comigo. Nem precisava pedir.

Mas não foi assim. A vida só nos deu um gostinho. Um exercício de separação e de saudade.

Eu tive cachorros que me amaram muito. Daquele amor de cachorro... sem pudor e sem condições, mas nenhum animal me olhou com tanto carinho como aquela gatinha magrela e esmirrada. Um amor tímido e sinuoso.

Arepa, a gata que eu nunca tive.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com) 

3 comentários:

Eulalia disse...

Caramba!!! Me emocionei em cada linha, desde o começo.
Mas, geralmente, gatos trazem mensagens... quem sabe, você ainda descubra qual teria sido essa...
beijinhos

Celina disse...

Ticha,
isso não se faz! já tô aqui aos prantos. Me fez lembrar da Tiffy, da saudade de todos os 4 patas que passaram na minha vida. Muito lindo.
bjs

Lúcia disse...

Olá Patrícia, assim como Eulália e Celina, me acabei no choro enquanto lia. Ahh quantas coisas somos obrigadas a deixar para trás, quantas "Arepas". Adorei o texto, principalmente a parte da criança teimosa e mimada. Que vontade de fazer assim mais vezes...
Beijos
Lúcia