quinta-feira, 17 de junho de 2010

TRES IGLESIAS Y PUEBLA

A Igreja de San Andres foi pura beleza. O peso do barroco hispânico mesclado à delicadeza da cerâmica. Ouro e cor. Anjos e santos aconchegados entre espelhos e cristais. Havia, lá fora, um burburinho de pássaros e, como havíamos chegado por volta das 12:30, de repente tudo se assustou com o bater dos sinos. Fazia calor.



Nosso grupo era pequeno. A família de colombianos observava detalhes, as chinesas tiravam fotos, o guia se dividia entre explicações em espanhol e inglês e eu me sentei num cantinho e rezei. Pedi coisas e agradeci por muitas outras. Lá fora, dois senhores cuidavam de um jardinzinho minguado pelo calor da estação.



Depois de algum tempo, o guia anunciou o próximo capitulo da jornada: Tonantzinla, un pequeño poblado donde se venera la Purisima Concepción de Maria. E completou a explicação nos dizendo que nesta igreja, de 1653, o trabalho foi feito pelos indígenas e poderíamos ver a mistura de imagens católicas com toda a tradição mexica. O sincretismo estético que para nós brasileiros se deu com os africanos, lá se passou com os índios. Oxomoco e Cipactonal como Adão e Eva.



Seguimos caminho entre ruazinhas estreitas e empoeiradas. Em algumas, uns restos de bandeirinhas penduradas eram indícios de festejos passados.



Pouco tempo depois chegamos a uma espécie de largo. De um lado uma vendinha, do outro a Igreja... pequena... Santa Maria Tonantzinla.



De imediato o guia nos informou que era terminantemente proibido tirar fotos do interior da igreja. (Desta vez o Google me ajudou com o registro de imagens, mas por mais que eu tenha buscado na rede, nenhuma foto consegue retratar o que eu vi.)



Fomos entrando por um jardinzinho e adentramos a igreja onde, junto ao altar, um professor de escola pública contava a um grupo de alunos a história do lugar. Não pude deixar de me lembrar de Roma e do Museu de Arte Moderna. Professores empenhados e o olhar vago e fluido dos alunos. Alguns copiavam as informações... (Há sempre alguns que as copiam).




Aos poucos meus sentidos foram abandonando os alunos e a voz compassada do professor e fui sendo envolvida pelas imagens. Anjinhos astecas com olhos bem grandes e cocares. Frutas e animais. Coroas e penas em ouro. Cor. Brilho. Estrelas do mar (simbolizando Maria), a palma do deserto (símbolo de castidade), águias e los xochipillis (meninos flor).



Difícil explicar a sensação. Era como se por um momento, tudo parasse para dar lugar a o que há de mágico e místico no ser humano. E a Virgem Tonantzin pousada em uma meia lua de ouro em sua gruta, Tlaloc.



Não me lembro se rezei.



O guia, com voz respeitosa, explicou que era hora de partir. Próxima parada, La Iglesia de La Virgen de Los Remedios. A igreja em cima da pirâmide. Ai, meu Deus!!!!



Quando entrei na camionete, ainda fiz uma última tentativa: ?Señor Álvaro, en serio vamos a subir la pirâmide a pie? O guia aproveitou minha dica para dizer como seria a próxima etapa do tour. A van nos deixaria na base da pirâmide e seguiria para um outro lugar, onde nos encontraria mais tarde. Subiríamos bem devagar, apreciando a paisagem. Uma e meia da tarde. Sol e calor.



Chegamos a um cruzamento e a camionete parou. Todos saímos. Eu agarrada a uma garrafinha de água e a meu bonezinho cor de rosa com a inscrição Hola México. Começamos a subir.


Eu me impedia de pensar que estava a mais de dois mil metros de altura, a sol a pino, em uma tarde super seca, subindo uma pirâmide. Não posso pensar senão tenho um ataque de pânico. Não posso pensar. Olha a paisagem. Olha a paisagem.



Aos poucos meus companheiros de jornada iam se afastando de mim. Colombianos e chineses se mostravam bem mais em forma que eu. Não posso pensar...



A paisagem era bonita. A cidade ia se espraiando a nossos pés. E de repente o guia parou. Pensei que era por comiseração a minha alma, mas ele queria nos mostrar algo.



Sentado à sombra de uma das poucas árvores, estava um senhor (índio?) com seu sombrero e sua mercancia. Frutas e umas coisinhas que pareciam uns camarõezinhos secos. O guia nos explicou que eram chapulines. Em bom português, uma espécie de grilo das plantações de milho. Come. Pode comer, dizia nosso guia. É limpo. O problema não era a limpeza do bicho e sim a sujeira das mãos do vendedor que, pressuroso, nos ofertava a guloseima na palma de sua mão. As chinesas sequer olharam o acepipe e os colombianos fizeram cara de nojo e retomaram a subida. Pensei, se não como, voltamos a subir e eu ainda estou sem fôlego. Encarei o bicho. Salgado e crocante, foi se derretendo na minha boca. Engoli. Tomei um gole d’água e entabulei uma conversa com o índio até me sentir menos cansada.



Voltamos a subir.



Dali para a frente, foi puro esforço e determinação. Comecei a pensar em Regina me ajudando a subir a pirâmide do sol em Teotihuacan há muitos anos atrás. Vai, você consegue. Vai. Os companheiros me esperaram ao sopé da igreja. Cheguei. Agora só faltava subir um lance de escadas. Me deixaram e se foram. Subi e cheguei. Cheguei a um pátio. Cheguei à porta da igreja. Cheguei no topo da pirâmide. Cheguei.



Enquanto os outros desfrutavam da paisagem, eu me refazia da subida e constatava que a bateria da máquina estava acabando. Nem liguei. Se não tivesse fotos, tudo bem. Eu estava lá. (Mais uma vez o Google me ajudou neste registro de fotos).



Entramos na igreja e, pela primeira vez, o guia se persignou. Diante de nós a imagem milagrosa de La Virgen de los Remédios.



Depois de algum tempo, ele nos convidou a entrar por uma portinha lateral ao altar onde estava escrito: el camarin de la virgen. Na saletinha havia dois armários. Um, com as roupas da imagem. A cada ano ela troca de roupa. Tem até mordomo. O outro, com outras três imagens da Virgem. O guia nos explicou que eram os clones da original e que são essas imagens que itineram por diferentes partes do país.



Depois desta sala, fomos a outra. Na verdade, os fundos do altar. Uma pequena capelinha e lá podíamos subir até o altar e tocar o manto da imagem. Toquem e façam seus pedidos.



Lá, dependurada naquela escadinha estreita, espremida entre parede e vidro, eu fiz muitos pedidos e pensei em muita gente. Foi bom estar ali.



A descida foi mais fácil e ainda deu tempo de ver parte do sítio arqueológico que está junto à pirâmide.



A camionete já estava nos esperando e de Cholula seguimos para Puebla. Um trajeto rápido de uns vinte minutos.



Puebla, que tinha sido a razão da viagem, na verdade, se transformou em mero desfecho para o passeio.



Não que fosse feia. Nada disso. Cidade gostosa e com um centro histórico bastante interessante. O problema é que estávamos (todos) muito cansados. Almoçamos um maravilhoso pollo con mole. Afinal, foi em Puebla que inventaram o mole. Caminhamos por suas ruas. Visitamos um mercado de artesanias a céu aberto. Visitamos uma fábrica de cerâmica Talavera e passeamos por calles muy dulces. Explico, em Puebla há ruas onde só há lojas de doces típicos da região. Foi em uma dessas ruas que vi pessoas tomando sorvete com pimenta... Bem, afinal, estávamos no México.





Fechamos o dia e o passeio na praça principal da cidade, junto à catedral. Grande, sóbria, sólida.



Enquanto a camionete nos levava de volta à Ciudad de México, eu olhava a paisagem pela janela e pensava que em algum lugar ali perto, anjinhos astecas com seus penachos de ouro brincavam entre frutos, flores e animais.
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

Um comentário:

Eulalia disse...

Querida, definitivamente, você é uma guerreira. E de uma coragem sem limites.
Que passeio! Que alma!
Mas eu não pegava o grilo daquela mão suja nem se me dessem de presente!