sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O DIA EM QUE CARACAS DISSOLVEU!


A promessa de nos encontrarmos era antiga, mais de um ano. Três vizinhas: uma venezuelana, uma colombiana e uma brasileira. O encontro, no entanto, só rolou quando Yenny, a colombiana, avisou que estava voltando para Bogotá. O contrato do marido tinha acabado e, em dias, já estaria partindo com toda a família. Então não havia desculpas.

Eu tinha trazido umas camisetas da Aqualung de presente para eles e foi o gancho para marcamos um almoço na 5ª feira.

A saída demorou um pouco, pois venezuelanas e colombianas são chegadas a uma produção. Decidi me maquiar para não ficar muito fora de contexto. Depois de uma negociação, quase formal, acordamos que iríamos em meu carro e assim, com um atraso de uma hora devido às auto-produções, partimos.

A sugestão foi de Olga, nativa da terra, o Madeiros, um restaurante novo em Las Mercedes, a Vila Madalena de Caracas.

Quando chegamos, começou a chover. Havia uma cola para entrar. Há sempre colas. Olga explicou que era o último dia antes da lei seca devido às eleições e, como os venezuelanos são chegados a um teor alcoólico, era necessário aproveitar. Esperamos em um lobby super cheio e depois de uma breve negociação, bem diplomática, acordamos que iríamos tomar um whisky de espera.

Para nossa surpresa, a mesa foi logo liberada. E lá fomos nós, whisky em punho, escolher os pratos e a bebida. Neste momento o telefone tocou. Era Ricardo, marido de Yenny, avisando que ela teria de ir assinar um documento em um bairro próximo. O seu motorista chegou e ela saiu, prometendo voltar logo. Depois de uma negociação já bem mais informal, acordamos, Olga e eu, em almoçar, pois, em Caracas, chegar a um outro bairro, na hora do almoço, com chuva, pode de...mo...rarrrr.

Como iríamos comer salmão, acordamos, depois de uma negociação já quase íntima, que tomaríamos um vinho branco argentino. Durante o almoço, entre garfadas de um salmão perfeito e pequenos goles de um vinho ótimo, Olga foi me contando de sua vida, família, amores.

Detalhe: você nunca terá problemas de falta de assunto estando junto a um venezuelano.

Não sentimos o tempo passar, mas ele passou. Demorou mais de uma hora para Yenny voltar. Chegou faminta e encharcada. Neste momento chovia torrencialmente em toda a cidade.

Olga e eu ficamos mordiscando o final do almoço enquanto Yenny comia um prato maravilhoso de cochino e nos ia contando sobre sua vida, família e seu amor, que às vezes podia ser um pouco machista, como todos os maridos latino-americanos. (Claro, a exceção de Silvio que é um amorzinho.)

Detalhe: Confirmei que não é uma questão de nacionalidade. Mulheres gostam de falar.

Depois do whisky e de meia garrafa de vinho, a porção brasileira do grupo precisou ir ao banheiro. Ao voltar, a cena que me esperava deixaria Simon Bolívar profundamente emocionado. O tão desejado encontro de nações. As duas amigas, irmãs em idioma, choravam, já sentindo saudades mútuas. Lá fora, ruidosa, a chuva caia implacável.

Entre postres e gayoyos, foi mais uma hora e pouco e quando pedimos finalmente a conta, o garçom nos informou que o Guaire, o rio que corta a cidade e que estava a uma quadra de onde estávamos, havia transbordado. Depois de uma breve negociação, de amigas de infância, acordamos em pedir outra garrafa de vinho, desta vez tinto e italiano, e esperamos.

Como o tempo pode passar rápido quando se está em uma inundação!

Só vi que já passava das sete horas quando Silvio me ligou dizendo que já estava em casa e que estava chovendo muito. Ele não imaginava o quanto! Depois, foi Soraya que ligou, depois Márcia. Quando Bragança me ligou, já eram quase oito horas da noite. Ele estava preso em um gigantesco engarrafamento. Ele e a torcida do Grêmio, do Flamengo, dos Leones de Caracas ...

O vinho acabou e não houve jeito. Pedimos a conta. Olga, como nativa da terra, jurou que nos tiraria dali. Enquanto esperávamos o vallet trazer o carro, as pessoas diziam para que ninguém pegasse a autopista, pois estavam assaltando os motoristas. Tenho que confessar que me senti em casa, a um passo da Perimetral no Rio de Janeiro. Há coisas que são tão latino-americanas!!!

E assim, caímos no caos. Ainda chovia muito! Tudo parado, e não tive coragem de contar para minhas companheiras de infortúnio que não sabia se teria gasolina suficiente para chegar a qualquer parte.

Detalhe: Em Caracas, os postos de gasolina são muito poucos e eu estava a léguas do mais próximo.

Bragança ia se comunicando comigo, indicando caminhos. Eu ia falando com Silvio. Olga procurava os filhos adolescentes. Yenny procurava o marido para saber das filhas pequenas. E assim, as baterias dos celulares iam acabando, seguindo os passos da gasolina.

Los caminos verdes eram agora caminos negros, muito pouca luz, só os faróis. Neste momento reparei que Olga, a minha guia nativa, tinha adormecido!!!!! Yenny percebeu também e lá fomos nós, subindo pelo campo de golfe, fazendo e refazendo trajetos, subindo... subindo...

Quando cheguei à redoma de Valle Arriba me senti em casa. Terra conhecida. Mas... Tínhamos de subir muito mais e estava tudo parado. A gasolina, só no cheiro. A bateria do meu celular acabando. Avisei a Silvio que passaria a usar o celular do Brasil. Bragança me avisou que tinha conseguido chegar em casa. Foi neste momento que encontrei Paulo Sá com lama até as canelas. Estava indo a pé para casa. Tinha abandonado o carro.

Olga acordou! E eu abandonei toda e qualquer tentativa de ser diplomática. Como em um novo Tratado de Tordesilhas, informei a minhas parceiras hispano-americanas, em alto e bom portunhol, que eu ia dormir na casa de Soraya e que me seguissem os que fossem brasileiros. Como nenhuma das duas o são, ainda tive de levá-las até a casa da irmã de Olga.

Cheguei em casa de Soraya quase à meia-noite e fui recebida com um cafezinho especial. Coisa de amiga, muito amiga. Está se tornando uma tradição eu ser resgatada por Soraya.

No dia seguinte, fui acordada por Yenny às seis horas da manhã. Queria saber quando eu ia buscá-la. Acordei Soraya e Bragança que esperam que eu fique bastante tempo longe, talvez visitando a Patagônia. Abasteci o carro e fui buscar las muchachas.

Para quem conhece Caracas, só consegui chegar em casa por Colinas de Bello Monte, entre derrumbes e deslaves.

PS1: Previsão do tempo para hoje. Indícios de chuvas intensas ao cair da tarde!
PS2: Eleiçoes terminadas! Que vencidos e vencedores façam o seu trabalho!!!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

LA GORDA


Minha mãe era baixinha, magrinha, bem mignonzinha e por qualquer motivo, alegria, tristeza, ansiedade, zanga, fosse o que fosse, dizia peremptória: “Trancou. Não consigo comer nada!”. Puxei à família do meu pai.
Adoro comer, beber, visitar diferentes sabores, curiosidades culinárias. Sou o que se poderia chamar de uma turista gastronômica. Conhecer novos lugares para mim implica, necessariamente, em comer o que seu povo come. Beber o que ele bebe.
Meu primeiro contato com a comida criolla venezuelana foi no restaurante La Gorda que fica em um pueblito próximo a Caracas, chamado El Hatillo.
Uma aventura regada a muito papelón con limón.

EL HATILLO
(Caracas, novembro de 2008)

Eu continuava sem carro e saindo muito pouco. Os dias iam ficando cada vez mais longos e cada vez mais lindos. Estávamos no período de seca e cada amanhecer me reservava uma vista mais deslumbrante Del Ávila.

A vida seguia entre idas ao supermercado, assistir televisão e decifrar as notícias, conversar com Yanette e Lucy, ter aulas de espanhol e curtir o que eu não vivia há anos – o ócio absoluto.

Um dia, acordei decidida. Ia fazer uma aventura.

Já haviam me falado de El Hatillo, e me diziam que era como um mini Pelourinho. Decisão tomada. “É pra lá que eu vou. Vou almoçar por lá e conhecer o lugar.”

Durante a aula de espanhol, conversei com Claudia sobre meus planos e descobri coisas que poderia fazer por lá. As principais indicações: comer pabellón criollo e tomar papelón con limón no restaurante La Gorda e visitar uma loja de artesanato, chamada Hansi.

Aula terminada, começou o duro ofício de conseguir um táxi que me levasse ao pueblo.

O taxista era um rapazote caladão. Negociamos o preço da corrida (não há taxímetros na Venezuela) e os 30 mil bolívares acertados indicavam que o lugar não era muito distante.

Visitar um pueblito... Enquanto seguíamos para lá, minha imaginação fervilhava entre filmes de cowboy e as aventuras de O Zorro. Casas com pátios internos. Donzelas com mantilhas. Ruas empoeiradas onde bandidos e mocinhos duelavam. Mas quando voltava à realidade, continuava no perímetro urbano e, às vezes, engarrafada.

De repente o motorista falou: “Llegamos.” Parou o carro e olhou para mim. O diálogo que se seguiu foi uma mistura de portunhol e pânico. Eu estava em uma esquina de um subúrbio do Rio!?! Não podia ser ali. E o mini Pelourinho? E o Zorro? “Llegamos.”, repetiu o motorista.

Desci do carro. Não queria voltar para casa vencida. Tinha de haver pelo menos um restaurante onde eu comeria pabellón criollo e tomaria papelón con limón. Fosse isso o que fosse. Claudia não tinha me explicado o que eram as comidas, só disse os nomes. Tinha de haver uma loja de artesanato chamada Hansi. Fiz, então, o que qualquer pessoa de bom senso na Venezuela faria. Perguntei a um transeunte, talvez um primo distante do Sargento Garcia, onde ficava a praça Bolívar. Aqui, cada pueblo, pueblito, grande metrópole tem pelo menos uma praça Bolívar, ponto mais importante do local. A resposta veio rápida. “Arriba.” E me indicou uma ladeira. Subi.

Cheguei à praça Bolívar ao meio dia em ponto e a sol a pino. Encontrei o que procurava. Uma praça, com estátua ao centro, cercada de casas do século XIX. Coloridas, restauradas. A maioria transformada em lojas. Num lado da praça uma igrejinha linda. Pequena, mas imponente. Achei melhor procurar La Gorda, o que não foi tarefa difícil. Desci uma ladeira e lá estava o restaurante. Janelas abertas. Quase um botequim ... mas imponente.

Entrei e pedi com precária desenvoltura a bebida e a comida. E enquanto esperava os pratos me bateu o medo. Eu tinha acabado de retirar a vesícula, tinha pouco mais de um mês da operação. O calor era muito forte. E se a comida fosse muito condimentada como no México? E se a bebida tivesse um teor alcoólico maior que o da tequila? Vi a cena se concretizar. Eu saindo cambaleando do restaurante e caindo em decúbito dorsal aos pés da estátua de Bolívar. O herói em armas enfrentando os espanhóis e eu vencida por uma dose mais forte de pimenta. Só Claudia sabia que eu estava lá e até ligarem o nome da falecida ao desaparecimento de uma brasileira em Caracas poderia levar dias. Era a total indigência.

O mesonero me tirou do pesadelo. Trazia um copo grande com uma bebida bem gelada. “Buen provecho.” A sede superou o medo e eu bebi. Papelón con limón, ou suco de rapadura com muito gelo e limão. Não era alcoólico. Era doce e gelado. Logo depois, chegou o Pabellón criollo e me senti no jardim de infância. Carninha desfiada, arroz, feijão preto e bananinha frita. Só faltou o garçom me dar a comidinha na boca. Meu fígado em lágrimas agradecia.

Saí do restaurante me sentindo uma nativa. Criolla!!!!! Fui à loja Hansi. Visitei a Venezuela através de cerâmicas, palhas, frutas de madeira, santos, velas e presépios. Eles amam presépios, ou pesebres, como chamam por aqui. Ainda deu tempo de eu conversar com gente do lugar. Só não deu para eu tomar uma chicha perto da igreja. Um suco de arroz doce com leite condensado e canela. Eles adoram doces. O vendedor só chegaria às cinco horas da tarde.

Uma senhora me indicou onde tomar um táxi de volta a Caracas, e como havia ainda manifestações de estudantes em algumas das principais ruas e avenidas, o taxista pegou muitos caminos verdes até eu chegar em casa. Descobri um emaranhado de ruelas, caminhos, estradinhas que cortam as colinas da cidade. Atalhos perfeitos para se fugir dos engarrafamentos ... Bem, mas isto é uma outra história que fica para eu depois contar.



PS: Dia 23, eleições na Venezuela! Que seja um processo pacífico e que os resultados sejam muito bons para este povo que eu tanto amo!

domingo, 9 de novembro de 2008

ACONCHEGO




Passei os últimos dez dias entre o Rio, Niterói e São Paulo. Estava super preocupada de não conseguir escrever um texto novo para o blog. Afinal, é ponto de honra para mim. Toda 3ª feira há que se ter história nova pra contar.

Por incrível que pareça, depois de quase dois anos, ainda estou organizando coisas que ficaram no Brasil. Móveis, livros, louças, toda uma vida armazenada na Granero. E é um tal de arruma, vende, doa...

No meio da papelada, encontrei um poema que eu havia escrito há muito tempo atrás. Ainda não conhecia Silvio. Era um poema que falava de aconchego, estar no lugar certo, na hora certa, com as pessoas certas. Tudo muito simples, mas pleno. Um lar.

Quando cheguei a Caracas, a casa ainda estava vazia. Silvio havia comprado uma mesa, a cama, mas quis me esperar para que pudéssemos juntos escolher as coisas. Arrumar a casa. E foi naquele espaço vazio, paredes brancas e sob o olhar Del Ávila que eu senti, em toda a sua intensidade, a plenitude de que falava o poema. Aquilo que eu buscava há tanto tempo. Um lar.


OLHO DE ÁGUA
(Niterói, 1993)

uma casa simples
como se feita de pólen
toda branca e amarela
uma casa simples
atrelada a um longe de estrada
uma casa

no quintal
um olho d’água
cajá-manga e ingazeiro

do lado de fora
cheiro de resedá

e no dentro
cheiro de café passado em saco de pano
um dedinho de chocolate
já adoçado no bule

uma casa repleta de sons de casa
tilintar de talheres
o quebrar de um copo
risos
crianças correndo ao redor da mesa
um galo ao amanhecer
pipoca estourando na panela
bica pingando
e o eloqüente silêncio que se faz
quando mãos se entrelaçam

uma casa
com cadeira de balanço
um livro muito grosso ao lado
cheio de histórias e mapas

pela janela
veria chegar os que me viessem
e no ilimitado da estrada
seguiria com os olhos
aqueles que me partissem

abria então a porta dos fundos
e lavava o salgado da boca
na água brotada da terra
translúcida flor
levantava os olhos
e via retalhos de sol se pondo
por trás da mangueira secular




PS: Decidi publicar este texto no domingo, pois como estou embarcando para Sampa, não sei se vou ter tempo de publica-lo enquanto estiver lá.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

AMIGO É CASA


Cida me deu o DVD quando estive no Rio. Depois, Carla e Elza me enviaram email com a entrevista de Simone e Zélia no Jô Soares. Tudo sobre o novo trabalho das duas cantoras. Algo tão distante e tendo tanto a ver com a vida aqui bem pertinho da cordilheira del Ávila.


Logo que cheguei a Caracas, recebi um email de Sueli em que ela falava da experiência de se viver fora de seu país de origem. Acho que ela não vai ficar zangada se eu transcrever parte do email:


"Oi Pat!Escrevo meio no impulso, depois de ler seu e-mail. Me lembrou mt o início da minha estada na Alemanha, mtas novidades, descobertas, sensações. Os cheiros são diferentes, os hábitos, as comidas, os mercados. É uma fase maravilhosa, não é? Às vezes é bom a gente se sentir um pouco como criança de novo, sabendo q há tanto a descobrir."


Sueli é sábia. Eu me sentia uma criança, com um brinquedo novo... MINHA VIDA!!! Mas e quando bate a saudade...


VIDRAÇAS

(Caracas/Rio de Janeiro, outubro de 2008)


Quando vim para a Venezuela, sabia que ficaria muito sozinha. Sabia que o trabalho de Silvio seria intenso, com poucas folgas, muito poucas férias. Era eu comigo mesma, e Deus, que não faz mal a companhia.

Cheguei, ainda sem carro, falando nada de espanhol e morando em uma região mais afastada. Para fazer qualquer coisa, de supermercado a ir ao cinema, de fazer as mãos a casos de emergência hospitalar, eu precisava encontrar estratégias.

Importante frisar que em Caracas não se toma táxi como se faz no Rio ou São Paulo, ou Porto Alegre, ou... Há táxis de cooperativas, mas não há endereços, números nas casas. Ligar para uma cooperativa e pedir um táxi dando apenas o endereço é algo quase risível, além do fato de que eles desligam antes de você terminar seu pedido de socorro. O que se deve fazer é dizer o nome do local onde você está. Por exemplo: ?Senor, puede buscarme en Torre Plaza? E se o motorista não souber onde fica o edifício, você começa um teste oral de espanhol de nível intermediário para cima. Só um dado, eu moro em um edifício chamado BEL-VE-DE-RE, e quem fala espanhol, não distingue os sons de B e V. Devo confessar que me babei várias vezes tentando dizer onde morava.

Cheguei também no momento em que a RCTV foi fechada e havia muitas manifestações nas ruas. Então, todos me aconselhavam a não sair de casa. !Era muy peligroso!

E assim fui ficando. Nunca pensei que pudesse desejar um carro com tanta intensidade. Qualquer carro. Ah... uma Romizeta...

Foi justamente neste momento em que começaram a surgir pessoas, venezuelanos, que passaram a me ajudar. Assim, sem mais nem menos. Inesperadamente.

Encontrei motoristas de táxi que, literalmente, me ajudavam a fazer as compras. Sugeriam temperos, questionavam o preço com os vendedores, reclamavam quando, por exemplo, eu não comprava tomates.

Encontrei Yanette e Lucy, minha conserje e minha passadeira que foram preenchendo minhas tardes e me ensinando coisas da cidade e muito espanhol. Yanette e Lucy, uma história à parte.

Encontrei Senhora Paulina, minha massagista, com quem eu conversava desde política a receitas típicas da Venezuela. Senhora Paulina, outra história à parte.

Encontrei Nancy e René, meus anjos da guarda.

Encontrei Senhor Nelson e Senhora Olga, meus vizinhos, que sempre me dão de aniversário, uma apresentação de mariachis, onde, somente, o Senhor Nelson canta, para grande frustração do cantor do grupo.

Encontrei um livreiro chileno que já havia morado no Brasil e com quem conversei por uma tarde inteira sobre literatura, história e que me apresentou uma biografia de Simon Bolívar maravilhosa.

Encontrei Claudia, nossa professora de espanhol, com quem aprendo muito mais do que falar a língua. Aprendo sobre a cultura, os lugares, as pessoas, os hábitos que fazem deste país, um lugar tão ... único.

Aos poucos, mais brasileiros foram chegando e novos encontros se deram. Muitos, especiais. Somos hoje uma confraria requintada... as IVs. Uma outra história à parte.

Novas casas. Novos amigos.

Para minha surpresa, tenho também sido procurada por amigos que não via há muitos anos. Reencontros, como presentes para uma criança. Miriam, que eu não encontrava desde o primário. Dora, minha querida amiga da faculdade.

Mas, muitas vezes, bate a saudade dos amigos (muitos parentes incluídos) que eu deixei no Brasil. A cada coisa nova que eu conheço, como, vivencio, faz com que me lembre de diferentes pessoas com quem gostaria muito de compartilhar minhas experiências. Ah, se fulano estivesse aqui!!!


Foi numa tarde de sábado que eu descobri que o Ávila, às vezes, me visitava. Invadia minha sala de estar. Sentava comigo nos sofás. Tudo dependendo da intensidade de luz, da hora do dia. A montanha e eu em um encontro mágico. Fusão, superposição de imagens. Eu no colo da montanha. Ela sentada em uma de minhas cadeiras. Profunda intimidade.

Se amigo é casa, amizade, para mim, é uma vidraça muito transparente. E é no silêncio do vidro que se dá o encontro. Íntimo. Pleno. Muitas vezes, raro. Amizade que nos surpreende, nos emociona. Cúmplice superposição de almas.

Vidraças... Tão fortes. Podem nos proteger das tempestades. Nos dias de calor, abrem-se de par em par para que possamos sentir o vento e a vida entrando casa adentro. Mas há que se ter cuidado, pois qualquer gesto brusco, inesperado, às vezes acidental, pode quebrá-las para sempre, irremediavelmente.