Semana passada, Miriam Jordão nos propôs no Facebook o desafio de completar a seguinte frase: Fotos de bicicletas são sempre...
Aquela frase partida, ansiando por um final, logo me remeteu a uma antiga foto. Uma foto que fiz em 2010, lá pelos lados de Roma. A lembrança não foi apenas da foto, mas também, e principalmente, de um momento.
Tarde fria de fevereiro na Cidade Eterna e eu experimentava já há algumas semanas o prazer de perambular por suas ruas e monumentos e vielas e praças e fontes...
Perto de meu hotel, Trinità dei Monti. A igreja, os pintores de ocasião, o pequeno mirador, os balcões, as escadarias até a Piazza di Spagna. O frio de fevereiro avermelhava e adormecia minhas bochechas. Um sol morno e o céu azul.
Gostava de passear pelas redondezas. Ficar olhando o ir e vir dos turistas. As câmeras de última geração e os casais de namorados refestelados nos degraus depois da longa subida. Aquele balcão florido que me despertava curiosidade. Que sortudo moraria naquele apartamento?
Um dia, decidi ir um pouco mais à frente, depois da igreja, e esbarrei em um palácio. Villa Medici. O poster na entrada me convidava a visitar uma exposição de uma escultora, acho que americana. Arte contemporânea. Entrei, visitei partes do palácio, me perdi por instalações... Mas algo me chamava para fora. Então, aceitei o convite e me entreguei aos jardins da Vila. Me entreguei à tarde levemente enevoada. Me entreguei ao friozinho que me adormecia as bochechas, cercada de muito silêncio e uma deliciosa solitude. Comigo ali, ninguém!
Pedrinhas no chão. Uma pequena escadaria, leões de pedra e, ao longe, perdida no horizonte e no entardecer, a Catedral de São Pedro, o Vaticano.
Passeei entre árvores e fontes.
O prazer de estar lá. O prazer de estar livre. O prazer de estar viva e poder perambular!
Até que, de repente, meu olhar distraído e encantado esbarrou em uma bicicleta amarela. Olhei a minha volta, procurando a sua dona. Sem dúvida era uma bicicleta de mulher. Olhei à volta, procurando a criança que a acompanhava com seu carrinho de brinquedo. Ninguém. Voltei a olhar para a cena...
A bicicleta amarela e novinha encostada em uma muralha de séculos. O chão de pedrinhas... Quem sabe a matéria prima das brincadeiras da criança... Por que será que achei que era um menino? Um pneu cortado pela metade se reinventando em jardim. A simplicidade e a delicada beleza daquela ervinha sem nome brotando ao acaso...
Não sei quanto tempo fiquei por ali. Ali, olhando aquela cena, aquela imagem. Decidi fotografá-la para, talvez, um dia escrever sobre ela. Sabia que ali morava Poesia. Que Poesia vive ao acaso em cantos e recantos, em quinas e esquinas, a espera que de um olhar. Fotografei.
E o tempo passou... Mais de três anos...
Às vezes me pergunto o porquê de aquele momento ter me envolvido e me emocionado tanto. Às vezes acho que foi porque desejei, ainda que por um segundo, ser aquela mulher que não conheci e ter o menino invisível como meu filho. E, depois da brincadeira no jardim do palácio, poder levá-lo para casa e banhá-lo e fazer um jantar bem gostoso... Uma sopa, talvez, para aquela noite de frio. E embalá-lo cantando uma antiga canção de ninar... Até ele dormir.
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Agora já posso responder ao desafio proposto por Miriam na semana passada.
Fotos de bicicletas são sempre... encantadas e nos remetem a outras fotos de bicicletas que nos remetem a jardins e a tardes frias e enevoadas quando nossas bochechas ficam vermelhas e levemente adormecidas.
Nota: Este texto é dedicado a Cassandra Melo Guimarães e Francisca Nóbrega. Duas professoras que me ajudaram a entender o prazer da leitura, o desafio da escrita e o oficio de olhar e ver.
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)
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