Talvez tenha sido por causa do dia. A sexta-feira em que a Holanda desclassificou o Brasil em um jogo inexplicável na África do Sul. Ou, quem sabe, fosse a chuva, tão forte, e o vento. Estávamos pegando um rabo de furacão, o Alex, que chegou pela fronteira norte do México. O mais provável, porém, é que tenha sido porque finalmente, depois de tantas reuniões, depois de tantas idas e vindas, havia ficado claro que estávamos saindo definitivamente da Venezuela. Não sei. Quizás não foi a mistura de tudo isso que me fez desistir de sair e ficar ali sentada, no quarto do hotel, olhando pela janela e sentindo meu coração apertado. Muito apertado.
Entre vento e enormes gotas de chuva, eu podia ver as pessoas estacionarem seus carros e correrem até a MicroCentre, uma dessas grandes lojas americanas onde se pode comprar o que há de mais moderno em tecnologia. Cada uma delas saía voando de uma camionete impecável e, de tênis e bermuda, ia se protegendo da chuva. Cada uma delas tinha suas preocupações, seus interesses, suas necessidades. Todas corriam com os seus guarda-chuvas. Todas, como personagens de um filme, pareciam ter seu papel a performar e o seu script bem decorado.
Só eu é que não me encaixava na história, no cenário. Eu, sozinha e vazia em meu quarto vazio de hotel.
Na TV, o Weather Channel informava que, apesar das chuvas, tudo estava sob controle, à exceção de algumas zonas com alagamentos.
Um menino escorregou e quase caiu na calçada em frente. Foi o tempo do pai levantá-lo no ar.
Sair da Venezuela... Deixar o Ávila para trás... Talvez perder o que havia encontrado entre engarrafamentos e caminhos verdes naquela cidade caótica chamada Caracas. Perder... perder tanta coisa... Me perder...
Um vento mais forte fez com que as gotas de chuva batessem com força no vidro. Como a me chamar. Como a me acordar para algo. Desperta! Desperta, que o sonho acabou. Agora é hora de fazer as malas... mas há coisas que não se pode levar na bagagem. Há coisas que sempre ficam pelo caminho. Num para-trás esquisito que quando a gente olha, já nem lembra o que foi.
Os sustos e a minha incompetência lingüística logo que cheguei. As alegrias de se conquistar, a cada dia, algo novo. Entender o programa na rádio. Fazer compras sem ajuda. Ir aos poucos encontrando pessoas, lugares, amigos. Sentir-se criolla, da terra. Acordar bem cedo para se surpreender com o Ávila. Silvio é perito nisso. Salta da cama e vai para a janela e depois chega me informando, Pat, hoje vale a pena ver...
Minhas muitas tardes em que eu e a montanha trocamos confidências e nos medimos e nos conhecemos. Ela e seu verde e seu céu e seus arco-íris e suas chuvas repentinas. Ela e sua secura e seus incêndios. Ela e seu friozinho e sua neblina. (Todavia el Pacheco no ha llegado.)
Saudades... Já saudades...
A chuva não dava trégua e, aos poucos, as luzes da rua foram se acendendo. Camionetes e texanos... Ao longe, The Galeria.
É claro que vai ser bom o que vier e continuarei a aprender em meu oficio de IV, a perambular por aí. É claro. Mas não naquela tarde. Naquele quarto de hotel. Na cidade de Houston...
Entre chuva e vento. No colo de um furacão.
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)
5 comentários:
nossa, vc vai morar no US, Patricia? e que saudade que deve dar, eu sempre fico me perguntando o que vou sentir quando/se sair de Londres...
Até eu, querida, que estive lá tão poucos dias, sinto a saudade desse recanto de céu...
Mas outros paraísos virão, tenho certeza, pois você não se tornou IV à toa... ah! não se tornou não...
beijinhos
Onde quer que você vá o lugar vai ser sempre especial e maravilhoso pois, a beleza e a poesia da vida estão dentro de você.
Muito boa sorte para você e para o Silvio, o companheiro que agora tem a "companheira que acompanha", como diz a Zélia Duncan.
Vc tem o dom de nos transportar para onde vc está com seus relatos vívidos, narrativas cheias de vigor.
Li o seu texto de dentro do quarto do hotel em Houston e compartilhei a sua melancolia. Assim como muitas vezes estive visitando o Ávila que irá com vc pra onde quer que vc se mude.
~Bjs
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