sexta-feira, 26 de abril de 2013

SÓ SOLIDÃO

 
E não é que tem dias em que a gente se sente sozinha
e experimenta esta forma estranha de solidão:
Nada escuro, sombrio, maligno.
Só solidão.
 
À volta, o silêncio de um oco de concha
(que, eloquente, sussurra histórias do mar).
 
À volta, uma brisa sem rodopio de pipas
(que, eloquente, segreda antigas canções).
 
À volta, uma névoa de início de outono
(que, eloquente, anuncia bom tempo).
 
Só solidão é só isso:
Ficar, ainda que perto, bem longe.
E poder olhar à distancia
as voltas que a vida dá.
 
Sem parceiros na brincadeira de roda,
sozinha se dar as mãos.
 
Meia volta, volta e meia...
 
Sem parcimônia no piquenique,
se deitar na toalha xadrez e
dividir com formigas os farelos do bolo
 
E sorrir...
 
Sem meio termos, acordar bem cedinho e
descobrir
 que tem dias em que a gente se sente sozinha.
 
Feito concha.
Feito pipa.
Feito um farelo de bolo.
 
E, feito uma formiguinha, só
 
rir...
 
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

ÀQUELES







Se eu deixasse de saber das notícias...
Se eu teimasse em me entregar ao outono...
Se eu fechasse bem apertado os meus olhos...
Se eu ficasse aqui, agora, me deixando levar...
Se eu olhasse só para o meu umbigo...
Se eu me negasse a saber...

Aí, a manhã seria mais clara e mais branca.
Aí, haveria espaço pro riso.
Aí, a vida dava para se viver.

Mas eu teimo. E vejo. E reajo. E divido. E deixo de ser eu, para ser nós. 
Nós, apertados nós!

Então, me invadem os mortos e feridos.
Então, se impõem os loucos e calhordas.
Então, me visitam apátridas de todas as terras.
(Com suas  monocromáticas camisas e seus slogans de guerra.)

Hoje era dia de texto bem leve...

Mas encontrei a foto.
E me lembrei da oração.
E achei que valia a pena repeti-la.
Agora.
Neste dia tão leve.

Àqueles que não sobrevivem
por maltrato, por maldade, por acaso, por doença, por desleixo, por loucura, por consciência, por vontade, por desespero, por tentar, por desistir, por acreditar,  por não aceitar, por não se render, por não se vender, por não se entregar a monocromáticas camisas, por não repetir slogans e guerras...

(Que se repita o rito...)

O meu minuto de silêncio e
O meu ponto final.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

BORGES E EU




Como terminei meu curso de espanhol, fico, agora, à procura de oportunidades para hablar un poquito e o Club de Lectura ou, como o professor prefere, las tertúlias, surgiu como uma ótima opção. Tardes de quinta-feira, por todo o mês de abril. Ouvir, falar, discutir, aprender sobre Jorge Luis Borges.

O primeiro encontro foi muito bom, pois como o professor explicou, com o seu sotaque porteño entrecortado de algumas muitas palabrotas, é que se fala muito de Borges, mas há uma certa (grande?) distância entre se falar sobre obra e autor e, efetivamente, ler e saborear os seus textos.

Mas... Na verdade, este texto não é sobre o primeiro encontro do Club de Lectura. Este texto trata de outro encontro. Mais rápido. Mais efêmero. E profundamente impactante.

Rodrigo, o professor, começou a sua fala explicando como havia conhecido e se encantado com Borges. Puxou, então, do fundo de uma mochila (os professores de literatura continuam usando grandes mochilas e sandálias de couro!) um livro muito grosso, verde, que logo reconheci. BORGES OBRAS COMPLETAS.

Explicou que o havia recebido de presente de sua mãe quando ainda era muito jovem e foi com aquele livro que ele fez seus primeiros contatos com autor e obra.

Explicou que o havia recebido de presente de sua mãe quando ainda era muito jovem... E reclamou da dedicatória muito curta que ela havia deixado na folha de rosto.

Explicou que o havia recebido de sua mãe... Quando ainda era muito jovem... 

O encontro... Ou seria um reencontro?

O livro grosso e verde. Uma tarde de frio em São Paulo. Toma Patricia... Obras Completas de Borges... Acho que você vai gostar...

Mãe, eu não sei espanhol! Folheei o livro com desconforto. Tropecei por alguns poemas. Abri uma página ao acaso e Borges me segredou, com sua voz rouca e levemente gaga: Si las páginas de este libro consienten algún verso feliz, perdóneme el lector la descortesía de haberlo usurpado yo, previamente. Nuestras nadas poco difieren; es trivial y fortuita la circunstancia de que seas tú el lector de estos ejercícios, y yo su redactor.

O livro grosso e verde... Cheio de palabras e de intenções. Borges o seu redator e eu sua possível leitora... Naquela época, eu sonhava ser poeta...

Mãe, eu não sei espanhol!... Não faz mal. Um dia você vai aprender. Minha mãe era assim. Ariana. Determinava destinos.

Um dia você vai aprender... O livro habitou muitas estantes por muitos anos. Mais de quarenta. Às vezes, eu o abria ao acaso. Tropeçava por alguns poemas. Quando fui morar na Venezuela, foi um dos poucos livros que levei comigo. Aos poucos, o desconforto foi virando uma sem cerimônia entre amigos.

Aprendi espanhol. Ela disse que um dia eu iria aprender.

O livro grosso e verde... Não deixou para mim, em sua folha de rosto, qualquer dedicatória...

Mas... Toda vez que me perco em suas palabras, sempre me lembro daquela voz rouquinha de fumante inveterada que determinava meu destino de leitora... Não faz mal. Um dia você vai aprender.

Minha mãe era ariana e determinava destinos. Muitas vezes me disse que eu iria aprender. Não só espanhol, mas muitas outras coisas. 

Assim seja. Já estava determinado. Sigo em meu oficio de aprendiz. E, como artesã inexperiente, teço descobertas. A cada dia... 

E saboreio encontros e reencontros... Como esse... Entre Borges e eu.

Nota: O título deste texto foi usurpado de um lindo texto de Borges... Borges y Yo.

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com) 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

FAZ UM PUXADINHO


Mabel costumava dizer: Ai, Pat, a vida é dura! E Silvio tomou a fala como mantra e mote e vive repetindo: É como diz Mabel... A vida é dura.

Conheço um bocado de gente (incluo-me nesta tribo) que gostaria de controlar a vida como se fosse escritor de novela, uns tantos capítulos de perigo, mas sempre um final feliz. 

Mas a vida tá na dela. Escorre por nossas mãos. Foge por entre os dedos. É areia... Movediça!

Levei muito tempo de análise para entender que a vida é precária. A vida não dá mole pra ninguém. No meio do salto, lá bem no alto, ela sopra um vento de lado e a gente cai de barriga, de queixo ou de bunda. E fique feliz se só ficou arranhado, que tem muitos que não se levantam nunca mais.

Foi ontem que a sobrinha me disse: Ai, tia, é muito difícil! A vida é muito difícil.  E eu respondi por instinto: É... Na vida, a gente tem de aprender a fazer puxadinhos.

A vida não é lançamento de construtora famosa, com banner, folheto e apartamento decorado.  Que nada. Não dá pra se comprar na planta, que nem planta tem. 

Se a gente tem sorte, consegue fazer, de inicio, um alicercezinho. Depois, cada dia é um dia e o que a gente pode fazer é ir ao sabor e ir fazendo uns puxadinhos. 

Apertou de um lado, joga um segundo andar com teto de amianto e janela de alumínio. Se der, pinta de branco, se não der, deixa no tijolo mesmo e reza pra aguentar.

Apertou do outro lado, cava um pouco do barranco, põe mais um quartinho e reza pra não chover.

Sobrou um dinheirinho, corre uma laje e põe churrasqueira e piscina. E reza pra fazer muito sol e ser de vez em quando domingo.

E se tem festa na laje, tem também dia de bala perdida. E se o terreno tá pacificado, a gente festeja e vai aprender alguma coisa nos cursos e nas escolinhas.

E um dia vem a chuva e leva tudo junto com a lama e a gente tem de recomeçar. E como chove de quando em quando, porque às vezes é verão, a gente recomeça... E recomeça... E recomeça.

E recomeça no susto, tirando a casa do lixo. Mas depois... Mesmo sem alicerce, a gente vai construindo paredes e janelas e varandas. Vai criando puxadinhos. E se der, a gente pinta a casa de rosa ou verde ou de um azul bem azulzinho...

A vida é precária e difícil. É feita de inesperados e surpresas. É feita de acasos... Cada dia é outro dia. Se quiser controlar, morre tentando. O negócio é ser criativo. Abrir espaços e... Construir puxadinhos!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)