sexta-feira, 29 de março de 2013

TRANSPARENCIAS



 
Já disse mais de mil vezes. Todo o ano eu repito. Adoro o outono. Adoro o outono em qualquer parte do mundo, mas o outono do Rio de Janeiro é algo especial.
 
Se, no hemisfério norte, o outono se apresenta com aquela orgia de folhas enferrujando a cada minuto, por aqui a estação vai chegando com gestos bem mais sutis. Sim. Podemos ser mais sutis e delicados que europeus e afins. Por aqui o outono chega pelas mãos da luz. (Mas há que se ter olhos de ver!).
 
Os dias vão ficando mais brancos e a silhueta das montanhas mais nítida. Dias brancos de outono. Não necessariamente mais frescos, mas sutilmente mais brandos.
 
Nosso verão é estação adolescente, dada a paixões e volúpias. Intenso e pirracento. Com suas mudanças de humor.
 
O inverno, por aqui, nem sempre diz a que veio, e, quando se desfaz em chuvinha fina ou friozinho malandro é por mera imitação. O inverno daqui é puro placebo. Dizem que é inverno e aí, por sugestão, sentimos frio e vestimos nossas botas e nos entregamos a golas altas (às vezes de pele!) e nos enredamos em cachecóis. 
 
Já a nossa primavera... Ah, sabe... Por aqui é sempre primavera! (Mesmo quando esbarramos em buquês de flores murchas!).
 
E o outono?... Bem, nosso outono é estação para iniciados. O outono no Rio nem sempre dá frutos... Mas dá uma certa paz e uma inesperada alegria. É estação de brisa leve (tempo de pipas é agosto!). É estação pra se deixar ficar... Assim, bem quieto. Sentindo a cidade mais amena (e quem dera, mais humana também!).
 
O outono carioca, não é para quem olha... É para quem vê.
 
Tem gente no Rio que vai passar a vida inteira por aqui, sem nunca ver, encontrar, sentir nosso outono. Este outono tropical de que um dia já falei.
 
Nosso outono é como vidro que, ainda que opaco, se anuncia em sutis transparências... Vai chegando...
 
Às vezes, um rosto...
 
Às vezes, um brilhante...
 
Às vezes, uma flor...
 
Às vezes... Só um copo de água qualquer...
 
                                                               (mas que sabe matar nossa sede.)
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 22 de março de 2013

QUASE ESQUECI DO TÍTULO





Ana, a nova professora de francês, andou visitando meus poemas. Entrou em meu outro blog, ainda em construção, onde pretendo algum dia, algum dia!, deixar registrado o que escrevi e publiquei lá pelos idos de minha juventude. Ela leu e me fez a pergunta que não tem resposta. [Ai! quantos anos de análise!] A pergunta dura. A pergunta que hoje já não me machuca... [Viva os tantos anos de análise]:
Patricia, você não escreve mais Poesia?
Respondi como sempre respondo: Não. Acho que não sei mais escrever poemas. (Já consigo responder com naturalidade... [Muitos anos de análise!])
Fiquei pensando... Pensando... A resposta verdadeira talvez esteja neste poema que encontrei hoje, ao acaso, revirando antigos papéis.
Talvez o poema possa explicar, não a minha incapacidade, mas  pelo menos, a minha profunda angústia por não conseguir escrever mais Poesia. (Já tive, há muito tempo, o olhar vagabundo, despudorado e mágico dos poetas... Já tive.)
Talvez o poema consiga retratar a minha angustiante paralisia.


MOVIMENTO (24/10/99)

vértebra de mim

pedaço

filha e parceira

pedaço

vértebra arrancada de mim

sangue que jorra

sangue que forja

o que há de mim (em mim)

pedaço

laço

eu


vértebra de mim

menina

mina

roça agreste

palmo de terra sofrida

pedaço de mim (em mim)

me arranha

me empurra e machuca

em seu silêncio

de nãos


vértebra de mim

pá e pó de minha vida

eu às avessas


desespero desencontro

desespero


vértebra de mim

ungüento

minha ferida aberta

exposta

ruptura de tudo

com tudo

ranger de minha alma

(velha porta entreaberta)

vértebra de mim


foge entre meus dedos

suja as minhas mãos

e há desespero no seu/meu não dizer

silêncio

angústia


eu


naco de mim

saudade

travo na língua

saudade

de mim (que era eu)

onde eu estou?


vértebra de mim

fugidia


me sangra


me machuca

naco de mim que se nega a falar

silêncio

silêncio



poesia

eu

(não)
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 15 de março de 2013

AI! QUE CALOR!


Não sei se é porque minha geladeira quebrou novamente ou se foi a pane na máquina de lavar roupa, ou se foi a coisa do disjuntor da cozinha entregar os pontos, mas... Tô sentindo muito calor!

Calor sem nenhum glamour. Daquele tipo de calor que deixa a gente desanimada. Levemente raivosa. Impaciente. E, agora, há pouco, comecei a ficar enjoada. Fisicamente enjoada. (Será uma virose de verão?)

Não é que eu não goste de calor. Tá certo que eu prefiro o frio, mas enfrento o calor com determinação e bravura, mas esse calor úmido do Rio que provoca aquela sensação de que se precisa tomar banho SEMPRE, mesmo que você esteja debaixo do chuveiro, esse é complicado para mim.

Aí a gente cria aquele iglu tropical. O ar condicionado colocado no máximo (ou seria mínimo?) e fica ali deixando a pele ressecar.

Mas a gente tem de sair. Cumprir o dever de viver e, então, o sol não dá trégua. É inclemente.

Ontem fui tentar liberar na alfândega unas caixas que Carol enviou de Londres. Escolhi o horário errado, por volta do meio dia... Devo estar mal mesmo. Quem vai liberar caixas ao meio dia no  terminal de carga do velho Galeão? Se os novos terminais são bem precários... Imaginem o velho! Tanto abandono! O estacionamento parecia aqueles filmes de suspense... A tia e a sobrinha caminhando e o maníaco com sua serra elétrica de estimação em sorrateira perseguição. Só não senti mais medo, porque já estava morta... De calor.
Não resolvemos nada, faltou documentação, mas, pelo menos, as pessoas foram super atenciosas. (Uma brisa de atenção em um ambiente inóspito bem que é um alento.)

E falando em alento, ou de brisa, ou de ambiente inóspito, o novo Papa foi escolhido rapidamente. Talvez por questões políticas, talvez pela temperatura amena no Vaticano que permitiu aos iluminados pensar.  Fico só imaginando se o evento fosse aqui no Brasil. A Praça de São Pedro na Cinelandia a  40 graus à sombra. (Espera... É injustiça com o Rio. Já peguei calores infernais em Roma e, em especial, no Vaticano.) Mas com um friozinho de final de inverno, até que fica mais fácil soltar uma fumacinha branca.

O rapaz da assistencia técnica da geladeira  me confirmou que vai chegar daqui a meia hora. Está vindo do centro da cidade. Isso já tem uns vinte e cinco minutos. Preciso ter fé! Preciso acreditar!

Se fosse só a máquina de lavar roupa, até que dava para levar... Mas a geladeira! Ou como dizem na assistência técnica da Eletrolux de Botafogo que nunca me atende... O seu refrigerador...

Hora errada para escrever um texto... Uma colcha de retalhos? Ou seriam apenas restos de ideias recolhidas em um rescaldo?

Sensação térmica de 44 graus! Ai que calor!!!!

Uma última observação cabe aqui e agora. Antes que comentários implicantes comecem a circular, informo que se o Papa é argentino... Deus, como é sabido desde tempos imemoriais,  é brasileiro, né?

Tenho dito... Amém!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

quinta-feira, 7 de março de 2013

VIZINHANÇA



Não é bairro, rua ou recanto. Nem prédio com varandas e paisagem. Nem casa de vila ou terreno baldio. Esta vizinhança é outra. Nada a ver com o de fora. É terra do de dentro. Guardada. Vielas e becos de emoções e sentimentos.

Estou convencida. Habitamos amores e paixões e raivas e medos da mesma forma que escolhemos moradia. Às vezes, alugamos por um tempo. Às vezes, construímos do alicerce. Às vezes, pagamos hipoteca. Às vezes, herdamos como filhos.

E aí é que entra em cena a vizinhança.

Em nosso bem lá dentro, tem um coração feito uma praça. Com bancos de madeira e alvenaria. Tem coreto. Tem um lago. E árvores centenárias que refrescam os verões e se entregam a ventanias.

Ao redor da praça, antigos e novos sentimentos se dispõem, sem planejamento. São velhos casarões com escadas curvilíneas ligando pavimentos e lembranças. São modernos arranha-céus que ferem a nossa alma e fazem arder, arder, até que nossos olhos lacrimejem.

Caminhamos por ruas feitas de saudade e, no cair da noite, esperamos o acender das luzes para poder ver antigas cenas com clareza.

E se pensamos que há silêncio ao redor, esbarramos em uma algazarra de sons diluídos pela vida.  Risos, cochichos, gargalhadas. Histórias contadas pelas tardes. Histórias sussurradas noite a dentro.

A vizinhança é feita de vidraças, por onde se pode ver, entre cortinas de veludo ou de  voil, espelhos bisotados e um rosto de menina.

E, quando pensamos que sabemos o caminho de chegada a nossa porta de entrada, ao número da porta e ao capacho dizendo bem vindos, nos perdemos por atalhos, paramos a ver vitrines de lojinhas.

A vizinhança nos liberta e aprisiona com sua urbana teia de incertezas.

Sentimentos... Emoções... Lembranças... E equívocos. São os nomes de travessas e avenidas.

Como se chega a nossa porta de entrada? Por um lance de escada? Ou por um beco sem saída?

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 1 de março de 2013

HOUSTON: DESEMBARQUE INICIADO

 
Faltavam umas duas horas para o final do voo, quando o casal de russos sentado ao meu lado, depois de ter preenchido os formulários de entrada em país estrangeiro, abriu o guia de viagem e mergulhou ansioso nas possibilidades do Rio de Janeiro.
 
Eu, olhando de lado, ia vendo com que emoção as paisagens, para mim cotidianas, iam invadindo as expectativas dos dois. Quando a página foi virada e em letras maiúsculas e vermelhas COPACABANA se apresentou, com uma foto de um céu radiante, os russos se entreolharam como que confirmando um sonho.
 
Fiquei imaginando quanto tempo e quanto dinheiro os dois tinham gastado até chegarem àquele momento, a pouco mais de uma hora da aterrissagem no Rio.
 
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Gosto de viajar, conhecer lugares novos, gente nova, novas culturas e realidades, mas não sou daquele tipo que volta ao Brasil com o coração nostálgico de tudo de maravilhoso que viveu  lá fora. Nada disso, tenho olhos de ver o que há de bom em outras terras, mas percebo bem que paraísos deixaram de existir no século XXI. É crise para todo lado. Então, volto feliz para minha terrinha. E gosto de estar por aqui. Mas...
 
CHEGAR NO GALEÃO... NÃO IMPORTA EM QUE TERMINAL... É UM DESRESPEITO Á CIVILIDADE!!!
 
O que é aquilo? E o pior é que está piorando!!!!
 
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Ainda em voo, fomos informados em que esteira recolheríamos as bagagens, o que achei um grande avanço, mas, tão logo a porta do avião abriu e começamos a sair, caímos em uma fila inexplicada. E não era nada de fila indiana, que até daria uma sensação de organização, era uma fila... Como posso descrevê-la? Uma fila amontoada. Daquelas que não se sabe para onde se vai e nem por que... Só se vai indo... Corredor a fora. Um loooooongo corredor a fora.
 
Os estrangeiros, sem entender nada, começaram a perguntar o que era aquilo e para onde deveriam ir. E como as respostas não os satisfaziam, começaram a furar a fila. (Gringo também fura fila!).
 
O meu olhar esbarrou no olhar perplexo da russa. Perplexo e perdido. Onde estaria a Copacabana de letras vermelhas e maiúsculas?
 
E aí chegou ajuda. Uma funcionária da United começou a gritar ao longe: Foreigners on the left, Brazilians on the right! Os estrangeiros não se fizeram de rogados e, aqueles que não tinham já furado a fila, saltaram para a esquerda que, diga-se de passagem, era uma fila muito menor. (Continua saindo mais dólar que entrando. Por que será?)
 
A nossa fila tupiniquim viu a fila gringa fluir com rapidez, enquanto esperávamos. Já tinham me dito que uma das estratégias para os eventos internacionais vai ser essa. Prioridade para os estrangeiros.
 
Enquanto os nativos esperavam para passar pela imigração, foram muitas piadinhas, chistes... Brasileiro nervoso... debocha.
 
(Outra dúvida que não quer calar... Porque justamente, neste momento da chegada, tem aquelas mocinhas de colete cinza, fazendo aquela pesquisa... A senhora é da onde? Vai para onde? Essas meninas correm risco de vida. E imagino que devem receber umas respostas bem pesadas, tipo: Eu? Eu não sei pra onde vou, mas você vai pra &*%$#@!!!)
 
Passada a imigração e já devidamente entrada em meu país, temi pela espera das malas. Da última vez foi uma hora e meia contada no relógio. (Afinal, o voo de Houston sempre chega junto com outro de Charlotte, e outro de New York e... Grande terror! Um chegadinho de Miami!!!!)
 
Vencido o périplo das malas... (Jurei que minhas próximas malas serão roxo batata ou verde limão. Mala preta, mesmo que se marque com fitas do Bonfim, pachiminas coloridas, ou seja lá o que for... São sempre malas pretas e todas as malas são pretas!)
 
Reencontrei o casal russo novamente. Tinham passado pela imigração mais rápido que eu, mas não escaparam da espera das malas. Na espera das malas, todos os gatos são pardos e não há Infraero que proteja os estrangeiros. (O casal russo também tinha malas pretas. Eu os vi recolhendo a bagagem.) O olhar perplexo e agora levemente irritado da russa antecipava um mar tropical.
 
Foi então que eu vi... Eu vi e não pude acreditar... Era sonho, miragem, PE-SA-DE-LO... A fila da alfândega.
 
Na maratona de obstáculos criada pela Infraero para receber de forma agressiva e indignante todos os estrangeiros... (Não vou falar de nós brasileiros, porque a gente tem mesmo que voltar, né?). Mas para receber os estrangeiros, nessa maratona, o ponto alto é a passagem pela fila da alfândega.
 
A fila da alfândega é uma coisa que começa em algum lugar e vai continuando por outros lugares e vai virando, e virando , e virando, e virando, e virando. Sei que passa por algumas esteiras, se embola pelos carrinhos, quase atinge a entrada do Duty Free e... CONTINUA!
 
(É nessa hora que sai briga porque as pessoas pensam que o outro está furando a fila. Na maioria das vezes, não é, a pessoa está apenas atordoada e perdida. Conheço casais que nunca mais se encontraram depois da fila da alfândega. E, tenho certeza, que em breve, criarão aqueles cartazes de desaparecidos, como tem o de crianças, para os participantes da fila da alfândega. Imagino as fotos com a frase abaixo: Visto pela última vez em 2007, voltando da Disney.)
 
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Ao longe, vi a russa procurando algo. Buscava o final da fila? As malas? O marido? Ou a praia de Copacabana? Eu não poderia responder. Seu olhar de pânico era uma névoa de indefinições.
 
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Deixo aqui uma sugestão, já que acho que nada vai mudar e que continuaremos condenados aos desmandos e à incompetência da Infraero... Nos guias de viagem sobre o Rio de Janeiro, deve haver um capítulo com fotos (e se possível um DVD) sobre a chegada ao Galeão. Sugiro, também, que venha antes da descrição dos pontos turísticos e deve se chamar: THE TWILIGHT ZONE: THE AIRPORT OF TERROR... DON´T BE AFRAID! IT´S JUST A RIDE!
 
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)