sexta-feira, 27 de julho de 2012

UM ATALHO TAMBÉM É CAMINHO


Novamente as aulas de espanhol. Novamente las tareas escritas! Dessa vez era mesmo um desafio. "Escolha um momento de sua vida para começar sua autobiografia. Pode escolher qualquer etapa(infância, adolescência...) ou um aspecto (uma casa onde você morou, os amigos, um presente...). Não é necessário começar pela infância. Faça notas de suas lembranças e pergunte, se possível, a pessoas que estão relacionadas com esses momentos sobre suas memórias. Talvez surja algo que possa agregar um novo ângulo a sua história. Releia as suas notas e escolha os fatos que você irá utilizar e os que vai descartar. Por fim, pense em uma frase que resuma o que você vai escrever e a use como título."

Ufa! Isto não é um dever de casa, é uma sessão dupla de terapia!

Fiquei remoendo momentos, lembranças e saudades. Por onde eu começaria a me contar? Por onde você que me lê agora começaria a sua história?

E tinha ainda a frase resumo! A síntese! O título! Minha vida em uma frase?! Que frase você que me lê agora escolheria para resumir a sua história?

Não conversei com ninguém sobre minhas lembranças, mas me lembrei de muitas conversas. Algumas doces, outras duras e outras... Só conversas...

O texto? Bem, o texto ficou assim...

Não tinha mais que quatorze anos. Adolescia entre sonhos e planos. Era manhã cedinho e eu tinha acordado fazia pouco tempo. Depois do café, fui tomar sol no jardim. Casa antiga, com um jardim grande com uns caminhozinhos feitos de pedra. Uns caminhos estreitos, como atalhos, entre margaridas e rosas. Pensava na vida. Costumava pensar muito! Que é que eu vou fazer do meu futuro? Que profissão eu vou ter?

Filha única. Boa aluna. Eu adorava ler, escrever e imaginar. Talvez por isso a pergunta sempre presente: Como será o meu futuro? Eu tinha certeza que seria cheio de viagens e aventuras. Não pensava em ter filhos ou em me casar. Queria conhecer o mundo. Mais que isto... Queria transformá-lo! Um mundo mais justo. Melhor para todos.

Filha única com uma enorme família. Meus pais, sempre presentes e atentos. Muitos primos, meus tios e minha avó. Dona Carmen. Forte. Decidida. Minha avó e suas ideias... Você se esconde muito! Se enfeita! Seja mais vaidosa! E eu voando em minhas aventuras e viagens imaginárias.

Passei minha infância na praia de Itacoatiara. Livre. Minha bicicleta azul e eu. Me perdia pelos caminhos, pelas ruas estreitas. Comia fruta pegada no pé... Abio... Pitanga... Jabuticaba. E, com Fernandinho, meu amigo desde sempre e minha primeira paixão, caçava uns lagartos para depois dissecá-los. Fernandinho queria muito ser médico!

Seus avós haviam acabado de chegar da Espanha e nos contavam histórias de uma guerra civil. Tinham passado muita fome! A veces, teníamos solamente un huevo que comer... Solamente un huevo. Somente um ovo! E eu ficava ali, ouvindo, paralisada. Sempre fui muito gulosa e esfomeada... Um ovo! Meu Deus!

Caminhos estreitos. Atalhos até a praia. Eu os conhecia todos. E depois era o mar.  As ondas enormes .... Meu medo.... Minha vontade... E eu caia na água, tão fria... Tão fria.

Naquela manhã, com não mais que quatorze anos, enquanto me perguntava o que ia fazer de minha vida, enquanto caminhava por aquelas alamedazinhas de pedra, atalhos estreitos no antigo jardim, decidi que seria poeta (poetiza, não, POETA).

O tempo passou. Fiz muitas outras coisas. Viajei. Trabalhei. Dei palestras e aulas... Não fui poeta famosa... Mas a poesia esteve sempre presente na minha vida, como uma bússola, mostrando caminhos... Ou talvez, apenas como um atalho... Mas um atalho também é caminho.


Nota: Hoje comemoro o ducentésimo texto publicado no blog! 200 textos! Imagino o quanto de mim já anda perdido por essas páginas eletrônicas!! Está na hora de eu começar a reler-me.
(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 20 de julho de 2012

HOJE É O DIA!


Hoje é o Dia do Amigo!

Então hoje, justo hoje, não vai haver texto.

O que tem é um abraço frondoso para cada um de vocês!

Um abraço cheio de frutos maduros para aqueles amigos que estão lá a qualquer hora. Amigo de sempre. Amigo pra sempre. Desse tipo de amigo que é pura seiva na vida da gente.

Um abraço cheio de sombra e frescor para aqueles amigos que há tempos não vejo, mas que permanecem presentes como presente em meu coração.

Um abraço raiz para os amigos que perdi pela vida. Amigos que às vezes relembro ao acaso. O que houve de afeto e carinho não foi em vão. Não se foi em vão. E nessa amizade perdida e silente florescem encontros e desencontros como quaresmeiras ao vento em sexta-feira da Paixão.

Um abraço bem caule pra aquele amigo que te tira do prumo, que te tira do sério e te faz rir a valer e te dá ideias... Aventuras ... Estripulias... Amanheceres!!!!!

Um abraço folhudo para aqueles que me oxigenam a alma. Que me fazem respirar ousadias e alegrias e boas recordações.

E por fim...

Para todos...

Muitas flores...  Muitas flores...

Com perfume de afeto e um cheiro bem forte (no cangote!) de  muiiito AMOR!

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

DEMANDAS


Hoje eu queria um cantinho de sala com poltrona e abajur. E um livro com figuras. Ou um álbum de família, com a família em preto e branco. Queria mesmo era um canto, onde eu pudesse ficar. Ficar lá no canto bem quieta. Remoendo. Resmungando. Remando contra a corrente. Lá no canto de ficar.

Hoje eu queria uma tarde perfumada. Com cheiro de almofada de madrinha. Cheiro de banho bem morno. Cheiro de bolo saído do forno. Cheiro de infância e de manha. Cheiro de mãe... Cheiro de mãe... E cheiro de amanhecer.

Hoje eu queria um colo de avó. Um conto de fadas. Um aconchego. Um acalanto. Alguém pra trocar minhas mágoas. Pra me cantar num sussurro cantigas de adormecer.

Hoje eu queria um minguauzinho de aveia. Um purê de batata. Um leitinho bem morninho. (Que o estômago tá doendo... Tadinho... Tá doentinho.)

Queria frio e neblina e uma colcha de chenile. Dessa que solta uns pelinhos. Só pra eu poder espirrar.

Queria ficar bem quietinha. Feito lagarta e casulo. Quem sabe amanhã é o dia da borboleta amarela que já chega sabendo voar? Quem sabe...? Quem saberá...?

Mas hoje eu só queria era ficar bem quietinha. Feito uma reza e promessa. Quem sabe amanhã é o dia do milagre? Da festa de largo. Da quermesse. Dia de foguetório. Dia de festejar. Quem sabe...? Quem saberá...?

Mas hoje... Só hoje...

Eu queria mesmo era um cantinho qualquer. Pra eu ficar lá bem sozinha. Bem quietinha. Feito um silencio guardado. Feito uma prontidão de soldado. Feito uma estátua qualquer. Não. Feito uma estatua de sal... Uma estatua de saudade.

(Eu e essa minha mania de desobedecer aos anjos e teimar em olhar para trás!)

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

MIMETISMOS



Era domingo passado. Levantei cedo por acaso e esbarrei com este inverno carioca... Quente.. Seco... Enevoadamente azul.

Fiquei um tempo na varanda, olhando a vista, os contornos, respirando, me impregnando daquela manhã de domingo. Fiquei ali como parte da paisagem. Mimetismo e prazer.

Perambulei um pouco pela casa e, depois, fui abrir minhas mensagens. Sou meio viciada em computador. Estou sempre checando coisas.

Logo a primeira... Carinho e surpresa! No Facebook, Aninha contava aos amigos:


"Adoro arrumar a estante, demoro tanto na prateleira de poesias. É que reencontro tanta gente...

Baudelaire, Pessoa, Adélia, Alice Ruiz, Hilda, Manoel de Barros, Lya Luft, Drummond, Quintana, Ana Cristina César, Arnaldo Antunes, Bruna Lombardi, 
Cléo Boechat, Guimarães Rosa e Patricia Blower, amigos imortais!"




Quase perdi o fôlego cercada de tanta Poesia! Mimetizada em um livro, me equilibrei na estante e me aconcheguei nas palavras.

Aninha... A conheci com uns nove anos de idade. Foi uma das alunas de minha primeira turma como professora de inglês. Tinha umas mãozinhas gordinhas e a letra mais bonita que já vi. Eu brincava com ela: Você vai ser jornalista!...

O tempo passou e eu a reencontrei em um dos shows de poesia que cometi na década de 80. Eu era uma marginal... Muito bem comportada!

Não. Na verdade, a reencontrei tendo aulas de canto com Dona Eunice Moço. Quem é de Niterói a conhece.

Continuava sendo Aninha para mim, mas tinha crescido. Virado moça. E com o passar  do tempo fomos nos mimetizando em amigas. Não nos víamos com frequência, mas era sempre muito bom nos encontrarmos. Aninha não fez jornalismo... Virou arquiteta.

De vez em quando a gente se encontra. Nesses acasos da vida. Ela agora é empresária. Me parece feliz e realizada. Fico pensado, pelo menos espero, que eu tenha contribuído um pouquinho para aquele olhar cheio de vida e desafios que encontro nela. Às vezes me mimetizo em mãezona!

Aquela fala domingueira de Aninha, tão inesperada e carinhosa me atiçou lembranças. Um dia fui poeta. Cheia de brilho nos olhos... Iria mudar o mundo... Este vasto mundo!

Um dia tive até bem pertinho de Adélia! Como na estante encantada de Aninha.




Mas não mudei o mundo... O mundo me mudou... Fui-me mimetizando em tantos rostos e gestos! Mas que bom que um pouco da poeta ficou junto de Adélia lá na estante de Aninha.

Então, amiga Ana Cristina , retribuindo o presente tão lindo que você me deu no domingo, abro o Sintaxe do Espanto, este mesmo livro que Adélia folheia ao acaso e trago para a vida um poema que eu sei era seu preferido.

Um beijo grande amiga! 


MIMETISMO

e molhar minhas mãos
 em outras mãos
e me benzer
com lágrimas e saliva
e respirar o hálito de sorrisos
e engolir a vida
assim feita

refletida em pupilas
sonolentas
como na sala de espelhos
de um circo
encontrar na curva em esse
desta estrada
o início de um caminho
não um beco sem saída

e ser vária e vaga e tantos
múltipla pele
a porejar carinho
um camaleão
disposto ao sol
que é ao mesmo tempo flor
ao mesmo tempo espinho

e perseguir como sombra
o teu espectro
e descobrir teu rosto perdido na memória
ficou um olhar esquecido
uma lembrança
ficou um gesto em suspenso
como um grito

molhar minhas mãos
em outras mãos
perseguir como sombra o teu espectro
refletir em minhas pupilas sonolentas
essa múltipla curva
a que chamamos vida

(in pblower-vistadelvila.blogspot.com)